Ghost of Tsushima reacendeu a paixão de muitos pelo Japão feudal e seus principais protagonistas: os samurais. O jogo trouxe consigo um detalhezinho muito sutil que dava um ar bem diferente à experiência: um modo chamado Kurosawa, que nada mais é que jogar tudo com filtro em preto e branco para relembrar as grandes obras-primas cinematográficas de um dos maiores diretores de cinema que já existiram. Ainda que faça isso muito bem, todo o lado cinemático do jogo acabava se limitando às cutscenes, já que durante a ação a câmera se posicionava atrás do personagem e tudo voltava a parecer um videogame novamente.
Agora, imagine só um jogo projetado exclusivamente para esse modo Kurosawa, onde não existe nenhuma outra forma de jogar e que nos transmita a constante sensação de estar “dentro” de um filme de samurai. Eis que Trek to Yomi, mais um grande título da família Devolver Digital, chegou para fazer isso com muito sucesso. Criado por Leonard Menchiari e desenvolvido por uma equipe minúscula, este é um jogo que não deixa de surpreender em cada um de seus aspectos.
Entre a vida e a morte
Trek to Yomi conta a história de Hiroki, que a princípio é apenas um jovem sendo treinado para se tornar um samurai. Após testemunhar seu mestre ser assassinado por um Senhor da Guerra, ele jura proteger o vilarejo e a filha do sensei, esta que viria a se tornar sua esposa anos mais tarde. Agora adulto, Hiroki se vê obrigado a enfrentar este velho inimigo uma vez mais, assim como terá que fazer escolhas muito difíceis ao longo de sua jornada.
Como já citado, o primeiro grande diferencial deste título é seu fator cinematográfico. Ele é todo em preto e branco, justamente para remeter aos filmes de samurai de Akira Kurosawa, mas também possui uns filtros que dão um aspecto antigo à imagem. Não parando por aí, ele também funciona à base de uma estrutura que um dia já foi muito popular nos games: câmera fixa. Graças a isso, cada cenário do jogo traz um enquadramento perfeito, muitas vezes nos transmitindo a sensação de que estamos jogando um filme. Quem curte cinema e fotografia com certeza vai pirar.
Quem já jogou Onimusha também se sentirá familiarizado com o estilo, já que em tese ambos são muito semelhantes: um jogo de samurais com câmera fixa. A diferença é que Onimusha dá mais liberdade ao jogador durante os combates, permitindo que se movimente para todas as direções. Em Trek to Yomi, você só pode andar livremente em cenários que não há inimigos; quando você entra em uma área de combate, ele se torna um sidescroll onde você só pode ir para a esquerda ou direita, o que pode ser meio frustrante, mas dá para se acostumar.
Dito isso, a forma como o jogo funciona é bem simples de entender. Você terá um cenário com alguns inimigos para matar, depois um ou dois para explorar e o ciclo se repete. Um outro detalhezinho herdado de Onimusha são os altares que salvam o jogo. Aqui a função deles é a mesma, só que um pouco mais importante, pois cada altar serve de checkpoint, além de recuperar sua vida. Não existe outra forma de recuperar HP e, quando morremos, voltamos do último altar, tendo que repetir todo o trecho adiante. Felizmente tem altar em abundância neste jogo, mas com o tempo eles vão ficando mais escassos para dificultar.
Matando para viver
O combate de Trek to Yomi é funcional e satisfatório, apesar de ser um tanto problemático em certos momentos. O jogo possui um sistema de combos interessante e te obriga a fazer bom uso da defesa, então não é um hack and slash onde você só sai atacando tudo que vê pela frente. Atacar e defender são mecânicas básicas aqui e precisam ser dominadas desde o início, assim como saber administrar bem a stamina do personagem. Não é um Dark Souls da vida, mas conta com um mínimo de complexidade.
O jogo em si não é difícil, mas a segunda metade é consideravelmente mais desafiadora. Em um certo ponto da história, Hiroki adentrará o mundo dos mortos e lá enfrentaremos apenas inimigos com poderes sobrenaturais, então aqui as coisas apertam um pouco e o jogo tende a ficar mais frustrante – especialmente porque quando um oponente encaixa um combo em você, fica bem difícil conseguir escapar. Ainda assim, nosso samurai possui uma seleção de ataques muito poderosos e quem aprender a explorar essas apelações provavelmente não vai passar sufoco (inclusive contra chefes).
A parte mais frustrante do combate é quando os inimigos aparecem dos dois lados, pois o único jeito de mudar a direção de ataque é apertando X (ou A) para ele se virar; também é possível dar um golpe para trás, mas é uma manobra arriscada. O problema é que Hiroki muitas vezes não responde esse comando imediatamente, especialmente quando ele ainda está terminando uma ação, então as chances de algum inimigo chegar pelas costas e fazer um estrago antes de dar tempo de reagir são altíssimas. Acredito que essa mecânica de apertar um botão para se virar esteja aqui somente para dificultar, pois não faz nenhum sentido não ser possível mudar a direção do personagem com um simples toque no analógico.
Quanto à exploração, existem diversas áreas escondidas com colecionáveis e itens que melhoram os atributos de Hiroki. É divertido explorar, mas pode ser um tanto complicado identificar esses itens no cenário, principalmente porque está tudo em preto e branco e nem sempre o enquadramento está a nosso favor. A sorte é que eles brilham, então quem não for apressado vai conseguir pegar a maioria.
O restante do pacote é aceitável, dentro daquilo que se propõe. É nítido que os gráficos são bem fraquinhos, mas isso é perfeitamente disfarçado com o preto e branco e os filtros de “cinema antigo”. Já a trilha musical é boa e casa perfeitamente com a atmosfera, mas não chega a ser tão marcante quanto a de um Ghost of Tsushima da vida – e acho que é até apelação comparar, então deixemos isso de lado.
Quem é fã de filmes de samurai ou da temática em si não tem desculpas para não experimentar Trek to Yomi. É um jogo divertido, desafiador na medida certa e, por ser curto, com um alto fator replay, já que existem algumas escolhas que moldam nosso destino. Já para quem é fã do Kurosawa, essa é definitivamente uma experiência que todos deveriam ter.