Um dos maiores desafios da cinebiografia é evidenciar de forma sublime a construção de vida de grandes artistas e o desenvolvimento de seu talento nato até chegar ao sucesso almejado. Em Tolkien, que chega nos cinemas nesta quinta-feira (23), não é muito diferente. O filme relata as adversidades vividas do autor de O Hobbit ao longo dos anos e tropeça ao demonstrar o potencial de sua genialidade.
O longa-metragem, dirigido por pelo filandês Dome Karukoski, conta a história de J.R.R. Tolkien (Harry Gilby/Nicholas Hoult), no qual demonstra sua resiliência ainda na infância por ter se tornado órfão tão cedo, como ele descobriu o verdadeiro significado de companheirismo com os amigos que integram um grupo intitulado de “T.C.B.S”, como encontrou o amor da sua vida, como a sua paixão pela filologia se desenvolve e suas dificuldades acadêmicas na Universidade de Oxford, acontecimentos marcantes que mostram a transição do lado jovial para o adulto. Quando sua vida parece seguir um curso, a Primeira Guerra Mundial surge para virar seu mundo de cabeça baixo e lhe presentear com um destino inesperado.
As cenas de guerra permeiam entre os devaneios de um soldado atingido e sua imaginação que cria asas no meio de um cenário caótico com direito a idas e vindas sobre os momentos de sua vida, dando o entender que são apenas lembranças de uma vida que está quase no fim. A imagem de um homem ferido em uma poça de sangue gritante ao redor de vários corpos sem vida impacta. Ao recobrar sua consciência, o autor só se preocupa em salvar seu amigo no campo de guerra, mas não obtém sucesso. Após algumas semanas, Tolkien acorda em um hospital ao lado de seu amor, Edith (Mimi Keene/Lily Collins), e descobre que perdeu dois de seus melhores amigos. Sem dúvidas, são traumas e perdas difíceis de serem superadas.
Com o tempo, o protagonista constrói uma família, caminha em direção à sua carreira e ganha o título de Professor em Oxford. Após um bloqueio criativo enorme para a escrita, Tolkien encontra sua inspiração nos laços de sua eterna irmandade, o T.C.B.S., o que dá asas à criação do famoso “O Hobbit”. É incrível ver como o protagonista extrai de sua tristeza e de suas dificuldades o que há de melhor em si, superando as adversidades enquanto dá vida ao que sempre esteve ali em sua mente. Além disso, é emocionante ver essa sua criação sendo compartilhada com seus filhos com tanto entusiasmo e com uma pitada de nostalgia.
Apesar da genialidade inquestionável do autor e da vida o ter moldado até alcançar o êxito, o filme não consegue expressar todo o seu potencial. Isso sim é um fator questionável. A mente criativa única de Tolkien é descrita apenas pelos amigos como algo invejável, por suplicações para dar voz aos que não conseguiram e pelo seu talento reconhecido por seu professor de filologia. Sem mencionar que o longa-metragem destoa a tal criatividade com os delírios de um soldado, o que é lamentável.
Ainda assim, o filme entrega uma excelente direção de fotografia, efeitos visuais únicos com o uso de CGI, cenários com características da época que são de tirar o fôlego, figurinos bem executados, uma paleta de cores agradável aos olhos e uma trilha sonora sublime. Sem dúvidas, uma combinação visual e auditiva que funciona muito bem.
Tolkien chega na tela dos cinemas para demonstrar a cinebiografia de um gênio da literatura fictícia, mas é uma pena que tenha falhado, em partes, para entregar isso. Apesar dos pesares, é um filme que emociona, alegra os fãs por suas referências e consegue arrancar lágrimas do telespectador facilmente em seu clímax. O longa é despretensioso e faz valer a pena até para quem não é um admirador das obras famosas.