Você provavelmente nunca deve ter ouvido falar do estúdio coreano Shift Up e existe uma boa razão para isso. Fundado originalmente em 2013, todos os seus jogos lançados até aqui foram mobile e exclusivos do mercado asiático. Buscando expandir seus horizontes, o estúdio está prestes a lançar seu primeiro título AAA: Stellar Blade, que estava em desenvolvimento desde 2019 e costumava ser chamado de Project Eve.
Stellar Blade é o segundo título third-party a complementar a biblioteca de exclusivos do PS5 em 2024 – e esse aqui já criou polêmica antes mesmo de ser lançado. O jogo é um hack and slash linear de exploração e aventura, onde assumimos uma androide com a árdua missão de expulsar uma raça alienígena que dominou a Terra. Apesar da temática absurdamente clichê, temos aqui um game com um saldo bastante positivo: mesmo tropeçando em diversos aspectos, ele ainda consegue ser melhor que a encomenda!
Apocalipses e robôs
Naquela breve introdução a respeito da história do game, já podemos notar que ele tem fortes influências de Nier: Automata. Em ambos os jogos, controlamos uma androide muito porradeira em uma Terra devastada pela guerra e por outras formas de vida. A protagonista da vez é Eve, uma guerreira de um esquadrão de robôs criados pelos humanos para derrotar criaturas chamadas Naytibas, visando recuperar o planeta para seus nativos.
Nesse contexto, toda a humanidade já vive fora da Terra e há apenas uma única colônia remanescente no planeta. Após se aliar ao combatente Adam (isso mesmo, temos Adão e Eva neste jogo) e à engenheira Lily, Eve deverá encontrar todos os Naytibas mais fortes e matá-los, para que assim os humanos finalmente possam voltar ao seu lar. Dito isso, já posso dizer que a história é bem simples e previsível, então não espere muita coisa do enredo.
Os personagens conseguem deixar as coisas minimamente mais interessantes, mas aqui já entra outro erro crasso de Stellar Blade. Todo mundo aqui esbanja estilo e certamente possui looks de dar inveja a qualquer sobrevivente do apocalipse, mas o carisma peca e muito. Mesmo com gráficos incríveis, os personagens não possuem expressão facial alguma e suas personalidades são extremamente rasas. Apenas Eve é um robô nessa história, mas todo mundo aqui parece carecer de vida e emoção nas mesmas proporções.
A própria protagonista não tem carisma suficiente para carregar o jogo nas costas. A maior polêmica relacionada ao título se direciona ao fato de Eve ter um corpo bastante avantajado, o que consequentemente gera uma grande sexualização da personagem. As roupas que podemos equipar na androide pioram ainda mais a situação, já que grande parte é bastante apelativa. Entretanto, esses trajes (ou falta deles) são opcionais e estão longe de ser o principal problema da protagonista.
Eve sofre da mesma síndrome de chatice que todos os personagens do jogo transmitem. É difícil se importar com alguém nesse jogo, pois assim como na vida real, beleza não é tudo. O game está totalmente dublado em português e nem mesmo a dublagem consegue transmitir alguma emoção nas cenas, em muitos casos parecendo conversas de IAs – com todo respeito aos profissionais, pois acredito que não seja culpa deles.
Por isso, na maior parte do tempo me peguei jogando pelo gameplay (que não falha em divertir) e por curiosidade de descobrir mais sobre aquele mundo, ainda que seja somente pelos arquivos de texto – a única forma de se informar a respeito da lore do jogo.
Máquina de combate
O gameplay de Stellar Blade mistura hack and slash com alguns elementos de souls, mas não chega a ser tão difícil quanto um soulslike. Para começar, nós não temos uma barra de stamina para limitar nossos movimentos, o que já é ótimo; tudo que você precisa saber é a hora certa de bloquear, esquivar ou usar um movimento especial para escapar de alguma pancada, o que pode ser discernido através da cor do brilho que os inimigos emitem.
Eve possui muitos combos na manga, podendo atacar tanto no corpo a corpo quanto à distância com seu drone – mas possui apenas uma arma, o que é uma pena. No começo a jogabilidade é bem limitada e pode ser um pouco difícil de se adaptar, principalmente porque a maioria desses movimentos e habilidades deve ser desbloqueada na árvore de skills. A própria mobilidade de Eve é totalmente capada de início, mas conforme avançamos, vamos liberando truques básicos como pulo duplo, dash no ar etc.
Praticamente 80% do jogo é totalmente linear e resumido em corredores com apenas uma direção para seguir. Existem poucos mapas abertos e sua extensão não chega a ser tão grande, pois fugiria da proposta. Esse é um daqueles jogos que sabemos exatamente qual caminho nos levará a algum tesouro ou recompensa secreta, pois não tem como errar a trilha até o objetivo principal. Games de mundo aberto podem ser bem cansativos, então eu sou a favor de títulos que explorem mais essa objetividade que Stellar Blade apresenta.
Em contrapartida, o combate pode ser consideravelmente dificultado nesses corredores apertados. No geral, os inimigos apresentam padrões de ataques muito previsíveis, mas nem sempre você estará disposto a lutar. Sempre que descansamos em um acampamento, os aliens derrotados voltam à vida (igualzinho em uma fogueira de Dark Souls), então você eventualmente vai querer passar correndo em alguns momentos para não ter que matar todo mundo novamente.
O problema é que os inimigos te perseguem incansavelmente e não vão desistir até que Eve finalmente pare de correr. Nesse ponto, você vai se deparar com uma dúzia de monstros te atacando sem parar – e uma vez que Eve for derrubada, eles vão continuar batendo sem dar chance de reação, até sermos derrotados. Como os mapas são estreitos, isso acontece com bastante frequência e é muito frustrante, principalmente porque sempre voltamos do último acampamento.
O jogo te força a lutar o tempo inteiro e nem sempre é algo estimulante. Eu entendo que esse é o foco de um hack and slash, mas se for para ficar trazendo inimigos de volta, tem que ter um equilíbrio! A sorte é que Eve é bastante overpower e, conforme vamos melhorando seus atributos, muitos inimigos morrem com uma simples sequência de ataques. A má notícia é que, até chegar nesse ponto, você vai sofrer bastante.
Reconstruindo o mundo
Stellar Blade tem uma extensão consideravelmente menor que o padrão dos jogos atuais, motivo que se dá pela sua linearidade. Quem priorizar apenas as missões principais poderá concluir a história na casa das 20 horas, mas ainda é possível estender consideravelmente esse tempo através das sidequests que encontramos na colônia e nos mapas abertos.
Felizmente, essas missões secundárias são bem legais de fazer, principalmente porque não envolvem uma repetição extrema de ficar indo de ponto X a ponto Y para matar inimigos. Cada uma possui sua própria historinha e algumas têm até uma continuidade, aprofundando mais o arco de NPCs específicos. A única coisa que me incomodou foi que grande parte desses personagens possuem lojas e o jogo sempre enfia um diálogo imenso antes de poder comprar alguma coisa – e é literalmente em TODAS as vezes, chegando ao ponto de repetir as falas. Eu só quero gastar meu dinheiro, não quero conversar!
Não podemos encerrar esta análise sem enfatizar o quanto esse jogo é bonito. O que ele carece de expressões faciais, compensa no visual, com gráficos extremamente detalhados e uma combinação de fatores que são um verdadeiro deleite para os olhos. Todos os cenários aqui são impressionantes nesse quesito, assim como os personagens principais. O cabelo de Eve é um dos elementos que certamente vão te surpreender.
A quantidade de partículas voando pelos mapas enriquece ainda mais seus atributos visuais, sendo mais um daqueles jogos que nos transmitem a sensação de ser um verdadeiro título next-gen. Diferente dos demais, Stellar Blade também oferece três opções de framerate: 30 fps com texturas no alto, fps dinâmico ou 60 fps com texturas reduzidas. Joguei no modo de framerate dinâmico e não tive problemas, podendo aproveitar tanto sua qualidade gráfica quanto uma fluidez acima da média.
Por último, temos a trilha musical, que coroa essa combinação com muito charme e autenticidade. Todas as músicas de Stellar Blade possuem vocal e, novamente, devo reforçar que lembra muito Nier: Automata (o que é ótimo). Só que aqui, temos uma mistura de pop com eletrônica e diversos outros gêneros que funciona muito bem, sendo um daqueles jogos cujas músicas ficam na nossa cabeça mesmo quando não estamos jogando.
Assim como você e provavelmente todos os gamers do planeta, eu não tinha nenhuma expectativa para Stellar Blade e, talvez por isso, pude ser surpreendido positivamente. O jogo é lindo e bastante divertido, trazendo um combate competente em um mundo bem estiloso, ao seu próprio modo. É fato que ele peca em muitos aspectos, mas com o tempo dá para relevar. Para quem é fã de hack and slash, histórias pós-apocalípticas e sci-fi, é uma compra praticamente certa!