*Este review foi realizado com uma copia do jogo disponibilizada pela Sabotage Studio.
Três anos atrás, em pleno auge da pandemia, o Sabotage Studios (autores do incrível The Messenger) nos apresentou ao seu mais ambicioso projeto: Sea of Stars, um RPG inspirado nos clássicos. Quando digo clássicos, não me refiro somente ao visual estilizado no bom e velho pixel art, mas também nas mecânicas e até mesmo no estilo de narrativa, que é tão “Super Nintendo” que chega a doer (no bom sentido, é claro).
Tendo como principal inspiração o todo poderoso Chrono Trigger, Sea of Stars é um soco de nostalgia, bem no meio do estômago de qualquer um que tenha vivido essa era de ouro dos RPGs. Qualquer fã dos jogos mais antigos da Square Enix vai pirar com as aventuras dos Filhos do Solstício e com seu mundinho, que é tão mágico que certamente merecia até uma animação própria. A boa notícia é que nem precisa ser tão “velho” para curtir este jogo, que sem dúvidas pode servir de porta de entrada para qualquer um que se interesse pelo passado dos games.
Um trabalho para os escolhidos
RPGs são famosos por trazerem histórias complexas e um zilhão de personagens caricatos, o que se replica aqui em partes. Achei o enredo de Sea of Stars um tanto simplório, mas não de um jeito ruim, pois casou perfeitamente com a proposta e toda a atmosfera que construíram. É uma trama simples centrada no velho embate do bem contra o mal, onde os protagonistas são guerreiros predestinados a enfrentar a grande calamidade que assola aquele mundo… o resto é história.
Nossos protagonistas são Zale e Valere, jovens que foram abençoados com poderes do Solstício. Isso significa que eles podem controlar parte da energia do sol (Zale) e da lua (Valere), mas essa benção também vem com uma maldição: somente eles são capazes de evitar um grande eclipse que ameaça a vida de todas as formas de vida daquele mundo. Não entrarei muito em detalhes para evitar qualquer tipo de spoiler, mas quanto mais avançamos no enredo, mais interessante se torna o grupo de antagonistas deste jogo.
Zale e Valere contarão com a ajuda de Garl, um amigo de infância que não tem poderes, mas possui um bom coração e certamente será um grande reforço na sua party. Juntos, eles vão esbarrar com os mais diversos personagens e protagonizar uma série de diálogos um tanto engraçadinhos. Em alguns momentos, me senti assistindo Dragon Ball clássico novamente, pois tem uma vibe parecida. Tudo é muito descontraído e feito para ser leve.
Antes do jogo começar, podemos escolher entre Zale e Valere para ser o protagonista central, ou seja, aquele que controlamos. Isso não muda absolutamente nada e pode até ser alterado quando quiser no meio da campanha, então não se preocupe muito com isso. No final, você sempre acabará controlando todos nos momentos que importam, que seria nos combates.
Um elo com o passado
O gameplay de Sea of Stars se divide em dois fatores: exploração e batalhas, assim como nos clássicos. Quando estamos soltos no mapa, senti uma forte inspiração nos jogos da série Mana (Secret of Mana, Trials of Mana etc.), que permitiam ao jogador uma certa liberdade em vasculhar cada cantinho do cenário. A maioria desses trechos consistem em puzzles, que no geral são bem tranquilos. Alguns só se tornam acessíveis após desbloquear habilidades específicas, nos incentivando a revisitar certos lugares posteriormente.
Por mais que nossa memória afetiva pinte os RPGs antigos como games absolutos e perfeitos, quando revisitamos alguns deles nos dias de hoje, percebemos como sua exploração era uma das partes mais fracas do jogo. Raramente tínhamos grandes motivos para sair caçando baús e outros itens espalhados pelo mapa, mas aqui o pessoal da Sabotage soube balancear bem a experiência. Além de tesouros com equipamentos e colecionáveis, também podemos coletar uma série de ingredientes para cozinhar alguns dos vários pratos disponíveis no jogo. Eles servem apenas para recuperar HP, mas assumo que é divertido achar receitas novas.
Os puzzles são criativos e envolvem o uso de habilidades que desbloqueamos progressivamente, como empurrar objetos ou manipular a hora do dia. É tudo muito simples e não cheguei a ficar perdido em nenhum deles, mas ainda recomendo fazer todos que encontrar, pois algumas recompensas são fundamentais! Dentre elas podemos citar os combos, que são ataques combinados entre os personagens durante as batalhas.
Já se tratando do combate, temos uma boa mistura de Chrono Trigger com Breath of Fire. Por ser inspirado nos clássicos, é óbvio que o sistema é em turnos, mas não é daqueles que a gente só bate e espera a próxima oportunidade de agir. O jogo traz uma série de mecânicas de batalha que tornam as coisas mais dinâmicas e forçam uma estratégia bem definida por parte do jogador – e pode acreditar, você vai precisar pensar antes de agir!
Além dos já citados combos, que funcionam da mesma forma que os ataques em conjunto do Chrono Trigger, aqui temos um sistema de bloqueios que exige bastante timing do jogador. Caso você aperte o botão de ação logo antes de ser atingido, é possível reduzir o dano no personagem, assim como causar mais dano nos inimigos, na hora do ataque. Dessa forma, você é forçado a ficar ligado o tempo inteiro e não tem brecha para deixar a batalha rolando no automático.
A dificuldade do jogo pode ser bem amarga para quem quiser jogar sem nenhum tipo de auxílio. Logo nas primeiras horas, já nos deparamos com um inimigo comum que consegue invocar outros inimigos! Se você não se livrar deles logo, vai acabar se deparando em uma batalha infinita que com certeza resultará em derrota. Qualquer confronto envolve um risco alto e os checkpoints são escassos, então assim como na velha guarda, perdemos muito progresso ao morrer.
Quem não tiver paciência para encarar as coisas dessa forma tem a possibilidade de ativar algumas relíquias que estão disponíveis desde o começo, justamente para facilitar as coisas (semelhante aos acessórios do Final Fantasy XVI). Elas tiram muito peso do combate e ainda é possível desbloquear novas com os diversos vendedores que encontramos; o nível de desafio cai drasticamente, mas é algo totalmente opcional, então vai do gosto de cada um.
Nostalgicamente belo
Os gráficos de Sea of Stars são uma bela fusão de todos os clássicos que citei aqui, então quem é veterano na arte dos RPGs e curte um pixel art vai ficar com os olhos brilhando. As animações são bem feitinhas (apesar de não serem muito fluidas) e todos os cenários são ricos em cores e detalhes. Existem até algumas cenas feitas em animação, apenas reforçando o que eu disse no início desta análise: este jogo daria uma bela série animada.
As músicas são tão legais quanto eu poderia desejar em um jogo do gênero e não é para menos: um dos compositores foi o lendário Yasunori Mitsuda, que ao lado de Nobuo Uematsu (outra lenda viva), compôs a trilha musical de Chrono Trigger. É tudo muito bonito e profundamente marcante, assim como os diversos RPGs que inspiraram esta joinha rara.
Sea of Stars é um jogo para todos! Criado para os fãs de RPGs antigos, mas acessível o suficiente para novatos e curiosos. Só achei que a história poderia ser um pouco mais curta, pois acaba se tornando meio arrastada ao longo das suas 40 horas de duração (pode variar de acordo com seu ritmo de jogatina). Esse foi o único ponto negativo que encontrei neste jogo e isso sequer é algo que estraga nossa experiência. Temos aqui um jogaço com todo o potencial para ser reconhecido como o melhor indie do ano!