A longa espera dos fãs de quadrinhos finalmente chegou ao fim. A 1ª temporada de Sandman estreia na Netflix nesta sexta, dia 5, com um total de dez episódios. O Portal do Nerd teve acesso antecipado à série, e já podemos adiantar que vale a maratona do fim de semana.
A série é baseada em uma história em quadrinhos premiada, de autoria do escritor inglês Neil Gaiman, publicada de 1989 a 1996. As 75 edições que formam a obra saíram inicialmente pela DC Comics e depois foram incorporadas pelo selo Vertigo Comics, da mesma editora, dedicado a histórias de temática adulta, com um pé no fantástico e outro no terror.
O universo de fantasia sombria criado por Gaiman mistura diversas mitologias, magia, terror, o sobrenatural e elementos da cultura pop, com direito, inclusive, à máxima: sexo, drogas e rock and roll. Em entrevistas, o autor já afirmou que muito do visual e da atitude dos personagens foi inspirado na cena musical punk e post-punk dos anos 80. Os textos abordam temas profundos, que vão do existencialismo à crítica social, muitas vezes com as histórias servindo como pano de fundo para reflexões sobre as mazelas dos seres humanos.
Não é à toa que os fãs ficaram alucinados quando foi anunciada a adaptação em formato live action, que contou não só com as bençãos do autor, como com sua participação direta. Ele é produtor executivo e participou dos roteiros em companhia dos escritores David S. Goyer (trilogia Blade e Batmans do Nolan, entre outros) e Allan Heinberg (filme Mulher-Maravilha e várias HQs da Marvel). Outras obras de Neil Gaiman como Deuses Americanos, Good Omens, Coraline e Stardust, já haviam se transformado em séries e filmes.
Sandman (Tom Sturridge), também conhecido como Morpheus, Sonho (Dream) e uma série de outros títulos, é o soberano do reino dos sonhos, denominado “Sonhar”, para onde a humanidade vai quando adormece. Ali ele é responsável não apenas pelos sonhos, mas também pelos pesadelos, que representam o pior da humanidade. Junto com seus seis irmãos, todos com seus reinos e símbolos próprios, formam os Perpétuos, entidades místicas imortais, filhos da Noite e do Tempo, que personificam aspectos da vida mundana como a morte, o desejo, o desespero, a destruição, o delírio e o destino.
Um dos pesadelos criado por Morpheus, o Coríntio, ganha destaque nos primeiros arcos das HQs de Gaiman, “Prelúdios e Noturnos” e “A Casa de Bonecas”, adaptados para esta primeira temporada. Rebelde e desafiador, ele começa a visitar o mundo desperto, toma gosto pela podridão humana e se torna um assassino em série renegado, com dentes no lugar de seus olhos, com os quais se alimenta dos globos oculares de suas vítimas, absorvendo seus pensamentos, sentimentos e lembranças.
A série tem início com Sandman no encalço de Coríntio (Boyd Holbrook), no ano de 1916, em Londres. O objetivo dele é destruir sua criação, que perdeu totalmente o controle. Quando estava prestes a cumprir sua missão e corrigir seu erro, ele é aprisionado por um feiticeiro humano, Roderick Burgess (Charles Dance), o Magus, líder de uma seita ocultista que, na verdade, pretendia capturar a irmã de Morpheus, a Morte, e exigir que ela revivesse seu filho, morto na batalha de Galípoli, quando os ingleses invadiram a Turquia.
Magus prende Sandman no porão de sua mansão e, como o senhor dos sonhos não cede às suas exigências, o mantém ali por mais de 100 anos. O primeiro capítulo, “Sono dos Justos”, mostra o período em que ele fica preso, consegue escapar e descobre que, na sua ausência, seu reino foi destruído e uma doença relacionada à falta de sonhos tomou conta de todo o mundo. Essa enfermidade faz com que as pessoas não consigam dormir e enlouqueçam ou não consigam despertar, permanecendo praticamente em coma.
Uma vez livre, mas enfraquecido, Sonho precisa recuperar três itens roubados pelos captores, que concentram a essência de seus poderes: uma algibeira com areia, um elmo que permite viajar entre diversas dimensões e um rubi que transforma sonhos em realidade. A temporada acompanha a jornada de Sandman em busca desses pertences, para reconstruir seu reino, restaurar a ordem que foi abalada com seu desaparecimento e, de quebra, ajudar a raça humana, mesmo não sendo tão merecedora assim.
E essa jornada leva a encontros bem interessantes com personagens como os irmãos Caim (Sanjeev Bhaskar) e Abel (Asim Chaudhry), sonhos inspirados nos personagens bíblicos, com direito a assassinatos recorrentes, que são os zeladores da Casa dos Mistérios e da Casa dos Segredos. Morpheus também conta com a ajuda da exorcista Johanna Constantine (Jenna Coleman), a versão feminina do John Constantine dos quadrinhos, o mago inglês punk, sarcástico e malandro, que já foi interpretado no cinema por Keanu Reeves e teve série da DC, também escrita pelo roteirista David Goyer. Outro encontro muito esperado é a visita de Sandman ao inferno para um tête-à-tête com ninguém menos que Lúcifer, interpretado por Gwendoline Christie (a eterna Brianne of Tarth, de Game of Thrones).
Teremos ainda a aparição de três Perpétuos: Morte (Kirby Howell-Baptiste), Desespero (Donna Preston), e Desejo (Mason Alexander Park). E um fanservice bacana com Mark “Skywalker” Hamil fazendo a voz do personagem Merv Cabeça de Abóbora.
Com apuro técnico, produção e fotografia de primeira, o enredo e roteiro são os pontos altos dos primeiros episódios. Sturridge entrega um protagonista no tom certo, contido e sério, tão grave quanto sua voz, como deve ser o mestre dos sonhos. Os demais atores também estão muito bem caracterizados, com exceção da Constantine de Jenna Coleman, que carece de mais carisma e astúcia. Um toque de sensualidade, à la Game of Thrones das primeiras temporadas, não seria mal. E, definitivamente, faltou uma trilha sonora mais marcante, sem exagero pop, mas com umas músicas legais dos anos 80 e 90.
Sandman deve atender à expectativa dos fãs antigos, sendo fiel aos quadrinhos, sem também deixar de incorporar os valores da geração atual e angariar novos adeptos, valorizando a diversidade de gênero, raça e orientação sexual, temas que dialogam com a alma da obra de Gaiman. O autor e produtor, ao menos nesses primeiros episódios, cumpriu o prometido, transformando sonhos em realidade, com o perdão do trocadilho.