Antes de assistir VALERIAN, seria ideal que você estivesse na coletiva de imprensa dada por Luc Besson para poucos membros da imprensa em São Paulo, na qual ele explicou sua conexão emocional e afetiva com os quadrinhos de ficção científica franceses “Valerian e Laureline”, dos quais o filme é adaptação.
Também seria ideal que você lesse todos esses quadrinhos, porque eles influenciaram produções bastante icônicas para a cultura pop que os sucederam – incluindo Star Wars, que “emprestou” muito da obra – e vão lhe proporcionar entendimento mais amplo e mais imersão no universo adaptado ao filme.
Mas a coletiva foi pequena e quase ninguém vai adquirir os quadrinhos em antecedência a um blockbuster. E esse talvez seja o resumo de todos os erros de Luc Besson nesse lançamento: Falta de contexto.
O filme conta a história de Valerian (Dane DeHaan) e Laureline (Cara Delevigne), dois policiais intergalácticos aparentemente hiper treinados, que vivem “altas aventuras e confusões pra lá de malucas“.
Valerian tem um sonho vívido sobre a destruição de um planeta e de seu povo pacífico. Os acontecimentos eventualmente nos levam a Alpha, uma evolução distópica da Estação Espacial Internacional, que foi sendo remendada com novos anexos até se tornar lar de milhares de espécies alienígenas.
A maçante jornada do casal muito lentamente revela o que já sabíamos nos primeiros minutos: O que Valerian vivenciou era mais do que um sonho. É um pulso de energia que atravessa o contínuo espaço-temporal e acaba por desdobrar uma conspiração óbvia e apática de um antiquado general militar de Alpha para encobertar a destruição do planeta e de seu povo, sob justificativas econômicas e egóicas.
E talvez o filme pudesse funcionar, tivesse ele nos transportado para um universo paralelo, onde os personagens não são completamente arrogantes e sem graça, e as atuações tem algum brilho ou transmitem emoção. Mas não.
Dan DeHaan (A Cure For Wellness / Spider-Man 2) no papel Valerian, não convence como face da lei, nem como explorador espacial, sequer como par de Laureline, e é uma escolha fraca, infantil, franzina e sem carisma para um papel que dá nome a um filme com esse orçamento.
Para a quantidade de comentários “Girl Power” presentes no discurso de venda do filme, os papéis femininos são bastante objetificados e antiquados. Rihanna faz seu merchan como uma stripper que muda de forma e não possui arco algum de desenvolvimento, nem motivo de existir. Pelo menos morre logo.
O próprio papel pseudo-protagonista da ex-modelo Cara Delevigne (Suicide Squad) como Laureline – perceba, já excluída do título original da obra – confunde o que era para ser uma mulher forte, com o que seria uma pessoa irritada e arrogante.
Ela tem muita auto-estima e está brava, e é basicamente isso que a qualidade da atuação de Cara consegue comunicar. Talvez apenas com o acréscimo dos olhares ao melhor estilo “Zorra Total” que ressoam o bordão imaginário “- Esse Valerian, viu… não tem jeito mesmo…” e são bastante constrangedores.
Fora isso, Laureline diz o nome de Valerian por volta de cinquenta vezes ao longo do filme, talvez para cristalizar o nome na mente do público, e não deixar dúvidas de que esse não é o filme “Super Laureline contra o Baixo Astral” que definitivamente pode aparentar ser para os desavisados.
Anti-destaque para o acabadão Clive Owen (Closer / Children of Men), que interpreta *M.Bison de Street Fighter* o Comandante Arun Fillit de forma displicente e fria, nos oferecendo um dos vilões mais anestésicos do cinema recente.
Por algum motivo, o pianista de jazz Herbie Hancock faz papel do Ministro da Defesa, mostrando que a asma e o sotaque de Chicago sobreviveram a séculos de exploração espacial.
Ethan Hawke (Gattaca / Boyhood) também aparece em um momento lá como um cafetão, mas… enfim..
Os três negociantes Doghan-Dagui (cuja motivação é ao menos inteligível) e o animal de estimação do povo das Pérolas são marginalmente legais.
Também há um mercador mercenário muito ameaçador, veemente em ameaçar a vida de Valerian, que poderia criar conflitos interessantes e situações inusitadas mais adiante no filme… mas que um minuto depois desaparece para nunca mais ser sequer mencionado.
Para ser justo, todo o povo das Pérolas do planeta Mül é muito bacana e representa uma alegoria de super-humanidade, como modelo da nobreza de caráter que deveríamos ter se quisermos evoluir. Mas não é o bastante pra sustentar o filme. Outros filmes atuais – como Planeta dos Macacos – A Guerra – fazem essa alegoria de forma muito mais eficaz, propondo reflexões muito mais interessantes e complexas.
O roteiro é cheio de furos e você vai ser perguntar “mas… por que?” mais de uma dezena de vezes, apenas para constatar duas probabilidades de resposta:
1 – É para tentar te vender uma marca de carros de luxo
2 – É porque se for assim, a computação gráfica fica mais bonita.
E nesse segundo ponto, não há discussão. O pessoal do Industrial Light and Magic sabe trabalhar mais ou menos direitinho, como já observado em Star Wars, Star Trek, Jurassic Park, Men in Black e outros títulos ao longo dos últimos trinta anos que apequenam Valerian em escala, complexidade e interesse geral.
O simpático Luc Besson ama os quadrinhos de Valerian e Laureline. Isso ficou transparente na coletiva de imprensa. Mas a obra que ele levou quase uma década para concluir, não transmite essa paixão a nós.
Mesmo a cena do Grande Mercado (sobre a qual o diretor se vangloriou de ter transformado em realidade inteligível durante a coletiva) é uma cena que ecoa outras adaptações que erraram terrivelmente, como Ghost in the Shell, focando em comunicar escala ao invés de tentar nos fazer ter a sensação de estar lá.
Valerian *Shark Boy & Lava Girl* é uma experiência divertida pra uma sessão da tarde em dia de gripe, mas em momento nenhum nos identificamos com algum personagem, com um diálogo, nem com um objeto para querermos comprar o brinquedo (como é a Matrix comercial de Star Wars). Não saímos do filme amando os personagens principais, tocados pela história, ou querendo assistir uma continuação.
Nem a marca de carros de luxo sai bem do filme! É representada por um veículo meio antiquado no contexto geral, que não é rápido o suficiente para dar conta da tarefa a que se propõe, é imediatamente destruído, e também não é efetivamente seguro.
Valerian não tem boas atuações, não tem um bom roteiro, não tem uma boa história para contar. É confuso, cheio de informações novas sobre um mundo complexo e fascinante, com pouquíssimo tempo para serem absorvidas, ou pra que possamos de fato nos importar.
Saí do cinema desejando que, ao invés do filme, houvesse uma série sobre Valerian (e Laureline, inclusive no título, por favor) com mais tempo para que pudéssemos nos importar com qualquer coisa relacionada à história, ou finalmente nos identificarmos com algum ponto, de qualquer personagem, mesmo que seja a relação infantil e cheia de competição entre os protagonistas!
Principalmente, queria ter me apaixonado pelo material como Luc se apaixonou.
Infelizmente, fica pra próxima.
Valerian e a Cidade dos Mil Planetas estréia nos cinemas dia 10 de agosto!