Antes de assistir ao filme, parecia que fazer a crítica de Ao Cair da Noite seria uma tarefa simples. Mas aguardar por outras impressões mostrou que esse é um filme polarizador, que conquistou público fiel tanto para amá-lo, quanto para odiá-lo. E é justificável fazer parte de qualquer um dos dois grupos.
Se você pretende assistir esse filme algum dia, a primeira coisa a fazer é jamais ver seu trailer. Sequer colocaremos um link aqui no post, porque o marketing do filme deliberada e erroneamente te faz crer que é um filme de horror.
Caso seja tarde demais pra isso, e agora sua expectativa seja pular de susto ou passar o resto da semana com medo de apagar a luz do seu próprio quarto, você provavelmente vai fazer parte do grupo ludibriado pela estratégia de venda, e corre o risco de não gostar do filme. Convenhamos que se você está procurando algo assim, é seguro dizer que seu gosto é péssimo e você deveria esperar o lançamento de Anabelle Resurection ou algo nesse viés elegante.
Ao Cair da Noite se inclina muito mais para um thriller psicológico – que é sim aterrorizante – mas de um modo muito menos óbvio e mais refinado do que cabe no trailer.
Se inspirando em obras como Earth Abides e outras ficções pós-pandêmicas, o trabalho de Trey Edward Shults é um estudo sobre o medo, sobre paranóia, e sobre os limites da sobrevivência humana, orquestrado de forma magistral e claustrofóbica.
Paul (o excelente Joel Edgerton, em uma de suas melhores atuações até hoje) e sua família estão seguros dentro de sua casa, isolados de grandes centros urbanos, enquanto uma ameaça biológica desconhecida aterroriza o mundo.
Sua tênue ordem doméstica é colocada em teste quando uma outra família desesperada por sobrevivência (no qual se destaca Christopher Abbot, ou “O John Snow do hemisfério sul”, como passei a chamá-lo) aparece procurando refúgio.
A sensação de desespero começa na parcialidade de informações que temos sobre tudo que está se passando. Sabemos que existe uma doença de algum tipo dizimando a população mundial, e só! Nem o público ou os personagens sabem exatamente o que levou o mundo a estar assim, o que a doença é de fato, o que há la fora na floresta… sequer sabemos o exato grau de parentesco entre os personagens principais.
O senso de dúvida e antecipação se funde ao ambiente fechado da casa, à escassez de recursos, à escuridão e a um tipo de tensão que só uma situação extrema de sobrevivência pode oferecer. Isso cria uma presença nefasta e impossível de ignorar, que pesa sobre todos os personagens e em suas visões sobre os outros.
Tudo isso é embalado em uma cinematografia primorosa. A fotografia é escura e excelente, os planos são longos e duram um tempão, com câmera fixa e poucos cortes. Do começo ao fim, o diretor nunca pára de escalar a tensão, lentamente, em companhia da trilha perturbadora. Os atores são bons o bastante pra acompanhar e retratar arcos significativos com muitas matizes e detalhes.
Um truque de edição que me chamou a atenção é que, durante algumas sequências, o aspecto da tela muda de 2.40 pra 2.75 (e até 3.01 no final), o que adiciona ainda mais desconforto à sensação claustrofóbica e a situação opressora em que os personagens se encontram.
Além disso tudo, o filme tem sérios climas de “The Last Of Us” que me ganharam imediatamente. Se me dissessem que o filme é um colecionado de cutscenes inéditas do TLOU Part 2, eu acharia totalmente plausível e maravilhoso. Se você é fã do jogo, já vale assistir só por isso.
Entre o público há muita discussão sobre o payoff da história, e sobre o tom em que ele termina. Sugiro que não se informem mais sobre ele, assistam, e passem um tempo refletindo sobre o ponto em que você seria capaz de chegar para sobreviver e proteger a quem você ama.
Ao Cair da Noite está em exibição por todo o território nacional.