Apesar da literatura ser uma fonte de inspiração essencial para o cinema, o desafio de criar uma adaptação que de fato conquiste o público-alvo é árduo. Quando a adaptação faz o coração do espectador vibrar, o sucesso ascende. Por outro lado, quando a adaptação não é bem executada, a decepção se torna presente. Mas quando o livro é levado para as telas e se torna um clássico do cinema, as comparações e as altas expectativas são inevitáveis. Infelizmente, os dois últimos casos acontecem em Rebecca – Uma Mulher Inesquecível, longa-metragem que chega à Netflix nesta quinta-feira (21) e falha em seu objetivo.
O filme é baseado no clássico romance homônimo de Daphne Du Maurier, que teve sua primeira adaptação em 1940 realizada pelo mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Com onze indicações ao Oscar, o longa recebeu o prêmio de melhor filme e melhor fotografia em preto e branco. Após 80 anos, Rebecca – Uma Mulher Inesquecível recebe uma refilmagem atual e chega à plataforma de streaming com o difícil desafio de superar as expectativas de um clássico do cinema.
Dirigido por Ben Wheatley, o longa-metragem conta a história de uma jovem órfã e dama-de-companhia (Lily James) – que não tem seu nome relevado – ao acompanhar a arrogante Edythe Van Hopper (Ann Dowd) em uma viagem à Monte Carlo. Ambas ficam hospedadas em um hotel luxuoso, local onde a jovem tímida conhece Maxim de Winter (Armie Hammer), um aristocrata rico que ainda sofre com a morte de sua primeira esposa. Apesar da diferença entre classes chamar a atenção de outros olhos, este pequeno detalhe não é um impedimento para que o casal se apaixone e viva um romance intenso em tardes calorosas. Após poucas semanas, o casal decide oficializar a união em um casamento e se mudam para Manderley, uma mansão localizada no sul da Inglaterra e também um personagem relevante para a trama. Ao chegar na mansão, o casal é recebido na porta por inúmeros criados que estão dispostos a atenderem suas necessidades, incluindo a assustadora governanta da casa, Sra. Danvers (Kristin Scott Thomas).
A nova Sra. de Winter não se sente apenas deslocada em sua nova residência, ela vive um pesadelo constante no qual é comparada diversas vezes e é perseguida pela lembrança da primeira esposa, Rebecca. Sua presença se torna tão presente nos ambientes da casa que passa a impressão de que a protagonista-título continua viva, até mesmo pelo fato de seus pertences continuarem intactos como uma espécie de santuário no quarto mais luxuoso da mansão e o único que possui vista para o mar. Além disso, o sentimento que a governanta sente por Rebecca ultrapassa a obsessão e a transforma em uma antagonista capaz de fazer tudo para honrar e manter viva a memória de sua querida amiga.
Apesar do longa ter duas horas de duração, a nova adaptação parece apenas apresentar uma série de acontecimentos que deixam o almejado suspense psicológico de lado. A falha no terceiro ato é gritante, simplesmente decepciona ao não apresentar surpresas e ao se transformar repentinamente em um desfecho investigativo sem graça.
Dessa forma, as comparações com a obra de Hitchcock se tornam inevitáveis do início até o fim do filme. No novo longa, uma série de fatores extremamente relevantes e que tornam a obra original tão interessante não foram implementados. Um exemplo disso, é o fato da nova Sra. de Winter não demonstrar a perda de sua inocência, o seu olhar tímido, o seu crescimento pessoal e a sua vontade de querer assumir o papel de Rebecca com o objetivo de tentar conquistar ainda mais seu marido. Da mesma forma, a personalidade forte e o lado rude de Maxim, que é tão evidenciado, não ganha forma alguma e fica apenas nas palavras. Até mesmo a Sra. Danvers em si não se torna uma antagonista extremamente detestável como na primeira obra. Outro ponto que deve ser destacado é o fato do lado poético ter sido deixado de lado, assim como a confiança ganha um lindo papel no romance do casal após um terrível segredo ter sido revelado de forma inesperada. Por último, na adaptação atual as cores vívidas presentes nos figurinos e nos cenários se destacam, o que chega a ser questionável se o seu uso está relacionado à ambientação da trama ou se seu objetivo é agradar o público jovem com ares instagramáveis.
Apesar do novo filme da Netflix se esforçar para se encaixar na realidade do público-alvo, as diferenças em relação ao clássico de Hitchcock se tornam chamativas em diversos momentos. O lado poético, o esperado suspense psicológico, a boa construção dos personagens, o final impactante e, até mesmo a trilha sonora que impõe um clima de tensão não tem vez na trama atual. Mas apesar dos pesares, Rebecca – Uma Mulher Inesquecível, de 2020, se torna esquecível. Já a versão ganhadora do Oscar há 80 anos atrás, se torna realmente inesquecível.