Em outubro de 1987 o mundo pôde desfrutar do capítulo final de uma das mais aclamadas séries de histórias em quadrinhos já criadas, Watchmen, essa que foi brilhantemente escrita pela lenda viva Alan Moore, um renomado roteirista de quadrinhos que não se destacou apenas nessa obra, mas também em muitas outras como V de Vingança e A Piada Mortal do famigerado homem-morcego.
Moore não só inovou totalmente no modo de se contar uma história com temática de super-heróis mas também deu toda uma cara nova para o gênero, onde pela primeira vez os adultos se sentiram atraídos pela atmosfera totalmente sombria e consideravelmente mais realista e melancólica de Watchmen. A série está consagrada no hall da fama dos quadrinhos como um dos títulos que contribuíram para o amadurecimento dos quadrinhos de heróis, juntamente com Batman: O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller e Maus de Art Spielgeman (que não é sobre super-heróis mas contribuiu bastante para o assunto em questão), todas lançadas nos anos 80.
Watchmen teve sua primeira edição lançada em setembro de 1986 e sua última publicada em outubro de 1987, totalizando 12 edições que hoje são vendidas em um único volume especial em capa dura, e não parou por aí. Em 2012 a DC resolveu explorar melhor esse universo lançando uma série especial onde cada volume conta melhor as origens de cada personagem, essa que foi chamada de Antes de Watchmen, e pra completar também foi lançada uma adaptação cinematográfica em 2009.
Em homenagem aos 30 anos do encerramento dessa fantástica história carregada de drama, romances, política, ética e principalmente de personagens extraordinariamente bem construídos e cheios de personalidades questionáveis, acompanhe conosco nossa análise e retrospectiva sobre tudo que torna Watchmen tão grandioso (cuidado com spoilers!).
Quem vigia o vigilante?
Watchmen se passa em uma América com os nervos à flor da pele, onde os governantes estavam em alerta máximo e prestes a iniciar uma guerra nuclear contra a União Soviética, essa que chamamos de Guerra Fria e aconteceu entre as décadas de 60 e 80. Os Estados Unidos já foi um lugar melhor para as pessoas que agiam como vigilantes e costumavam lutar contra o crime usando os próprios punhos, pois no tempo em que a trama se passa, em 1985, os vigilantes estavam totalmente tirados de cena devido a Lei Keene, algo semelhante ao ato de registro dos super-humanos da Guerra Civil da Marvel, onde todo justiceiro mascarado deveria registrar sua identidade secreta e, basicamente, se tornar um fantoche do governo.
Com a aprovação da Lei Keene muitos heróis optaram por se aposentar ao invés de continuarem atuando sob vigilância, alguns outros resolveram expor sua identidade a público como um golpe de publicidade e a minoria acabou trabalhando secretamente para o governo. Dentre os vigilantes remanescentes da atualidade temos Rorschach, um sociopata extremamente amargo e pessimista que apesar de não intimidar ninguém com seu tamanho, é muito temido por ter um comportamento muito violento.
Rorschach é o personagem que faz a trama se desenrolar. Podemos dizer que a história gira totalmente em torno dele, e se não houvesse Rorschach, não haveria Watchmen. Ele foi um dos poucos que se negaram a aderir a Lei Keene e continuou agindo como justiceiro sem registro, assim se tornando um fora-da-lei aos olhos das autoridades. A Lei Keene acabou com o maior grupo de heróis que a América já teve, os Minutemen, que atuaram em meados dos anos 40, e da sua formação original apenas o homem chamado de Comediante continua atuando nos dias de hoje.
Comediante é o alter ego de Edward Blake, e tal nome se dá ao fato de que Blake ironiza cada situação que ele se depara na vida, por mais horrível que ela pareça, pois para ele a vida é uma grande piada. Blake fez sua fama por ser o justiceiro mais sádico e cruel de todos, onde ele não só sentia prazer em atirar e espancar criminosos, mas também em fazer o mesmo com pessoas que simplesmente cruzassem o seu caminho. A história de Watchmen começa quando Blake é atacado em seu apartamento por um homem misterioso, esse que claramente é muito mais habilidoso que o Comediante e consegue mata-lo sem nenhum esforço. A morte de Blake pegou todos de surpresa, principalmente Rorschach que resolve assumir as investigações do assassinato por conta própria, e é aí que tudo começa a desmoronar.
Podemos notar em tudo que foi dito até aqui que os heróis de Watchmen não passam de pessoas comuns que sabem dar uns socos, nenhum deles tem super poderes, com exceção de um personagem que é tão importante para a trama quanto Rorschach. Seu nome é Dr. Manhattan, um ser onipotente e onisciente com uma quantidade de poder incalculável, muitas vezes até sendo comparado a Deus por conta disso.
Deus existe… e ele é americano
Manhattan um dia já foi um homem comum, um físico brilhante que acabou sofrendo um terrível acidente em uma câmara de testes. Ao contrário do que todos pensaram, o acidente não o matou, mas o reestruturou célula por célula, de modo que ele renasceu com super-poderes e com um novo corpo. Tal acontecimento transformou o homem que uma vez já foi Jonathan Osterman em um ser imortal e onipotente, capaz de modificar a matéria como bem entender e fazer incontáveis outros feitos incríveis, como replicar a si mesmo, se teletransportar para qualquer lugar da galáxia, realizar qualquer ação com o simples ato de pensar e reduzir seres humanos a cinzas com apenas um gesto.
Logo o governo viu Manhattan como um poderoso aliado em potencial e tomaram as providências para que ele continuasse do lado de seu país, onde ele adotou esse título para colocar medo nos inimigos da América. Apesar de não demonstrar nenhum sentimento e quase sempre estar vivendo em uma realidade diferente da dos humanos, Manhattan continuou tendo a capacidade de sentir coisas que humanos comuns sentiam, como por exemplo o amor, onde mesmo após o seu renascimento ele ainda se casou com sua amada, Janey Slater, e posteriormente com sua segunda esposa, Laurie Juspeczyk, que um dia também já atuou como vigilante sob o alter ego de Espectral, esse que também pertenceu à sua mãe que era membro dos Minutemen.
Dr. Manhattan tem um papel crucial em toda a história, mesmo que muitos o consideram um personagem monótono por todo o seu jeito enigmático de falar e encarar as coisas. Tudo isso faz parte de seu eu, afinal ele foi intencionalmente criado como um “quebra-cabeça”, para que possamos notar o quão complexo é a mente de um ser onipotente e onisciente, que está presente em todos os lugares simultaneamente e tem consciência de tudo que acontece.
Alguns capítulos de Watchmen dão foco aos monólogos do personagem, onde apenas o assistimos em mais um de seus momentos de solidão, em que ele recapitula vários trechos de sua vida passada, em que nada é sequencial e devemos ir ligando os pontos para termos um melhor entendimento de tudo que aconteceu ao que hoje vem a ser um homem-deus. Apesar de possuir sentimentos, Manhattan não os demonstra e sua frialdade em lidar com pessoas e situações acaba afastando todos que ele um dia já amou, incluindo as duas mulheres que fizeram parte de sua vida.
Depois dessa vasta recapitulação de três personagens essenciais para a trama, resta a pergunta de quem não conhece a obra: quem é o vilão disso tudo e quais são as intenções dele afinal? O vilão de Watchmen é não só memorável como um dos melhores já criados em uma história em quadrinhos até então, e chegou a hora de falarmos sobre ele.
Meu nome é Ozymandias, rei dos reis
Adrian Veldt foi um dos que se revelaram a público para o mundo, porém ele fez isso antes mesmo da aprovação da Lei Keene, onde três anos antes ele se aposentou dos dias como vigilante na pele do alter ego Ozymandias. Veldt é um bilionário considerado o homem mais inteligente do mundo, um título mais que merecido considerando seu grande intelecto e sua personalidade visionária, que consegue prever coisas que acontecerão na sua vida e no mundo usando apenas o seu raciocínio, e foi graças a isso que ele chegou ao topo do mundo hoje, considerando que ele não nasceu em família rica como vemos nas suas edições de Antes de Watchmen.
Apesar de sua Inteligência infindável, Veldt muitas vezes mostra ter capacidades sociais limitadas, onde as únicas pessoas que ele consegue demonstrar alguma simpatia e admiração são alguns líderes renomados do passado, que já morreram a milhares de anos atrás. O principal deles é Alexandre da Macedônia (ou Alexandre, O Grande), o jovem que construiu um Império, seguido pelo renomado faraó Ramsés II, cujo nome em grego é Ozymandias. De tal ídolo ele retirou seu alter ego e decidiu que seria tão grandioso quanto eles, determinado a pôr fim a o que quer que estivesse acabando com o mundo, custe o que custasse, e no momento em questão o que mais ameaçava a humanidade era a Guerra Fria, algo que ironicamente estava sendo causado pelos próprios humanos.
Moore conseguiu construir um vilão que de uma forma brilhante nos mostra que os fins não justificam os meios, afinal suas intenções são nobres, mas a sua obsessão em alcançar a paz mundial acaba prejudicando muitos ao seu redor. Apesar de ser considerado o vilão da história, vemos que Ozymandias acredita com todas as forças de que ele está certo e que qualquer vida sacrificada no processo é por um bem maior, então mais uma vez a parte de ética e moralidade que é tão recorrente em Watchmen, volta a pesar, pois cada personagem tem a sua própria visão do que é certo ou errado, e é isso que gera os conflitos entre eles.
Adaptação Cinematográfica
Em 2007 se iniciou a adaptação de Watchmen para as telonas, essa que teve um orçamento de 130 milhões de dólares e foi dirigida por Zack Snyder, sim, o próprio Zack Snyder que dirigiu tantos filmes de qualidade duvidosa ao universo DC nos últimos anos. Apesar do diretor ter sido pouco aclamado nas suas últimas obras, em Watchmen ele merece ser aplaudido de pé, afinal é uma das adaptações de quadrinhos mais fiéis que já foram feitas até então.
O filme foi lançado em 2009 e a primeira coisa que se pode notar é o quão fiel as cenas do longa são com relação aos quadrinhos, é algo tão próximo do original que consegue ganhar os leitores da obra logo na primeira cena. O segundo detalhe importantíssimo é que o elenco foi escolhido a dedo, afinal além da atuação de todos ser excelente (incluindo Jeffrey Dean Morgan na pele do Comediante), todo o elenco escolhido tem uma grande semelhança física com o seu personagem em questão, o que é mais um fator que deixa tudo muito próximo da história em quadrinho. O terceiro fator que ajudou muito a emergir as pessoas na atmosfera de Watchmen foram as cenas exageradamente escuras e principalmente a violência desenfreada, onde vemos os vigilantes quebrando braços, pernas e esmurrando bandidos do jeito mais brutal possível.
O filme claramente foi feito para os fãs das HQs, de modo que a narrativa é pesada e complexa do jeito que ela é nos quadrinhos, onde poderemos assistir até mesmo os monólogos do Dr. Manhattan. Por conta disso, enquanto os fãs da série ficaram com um sorriso de orelha a orelha após assistir ao longa, muitas outras pessoas, que na sua maioria não é um público leitor de quadrinhos, acabou odiando o filme pelo seu exagero na violência e sua trama muito complexa.
Não importa em qual mídia for explorada, Watchmen consegue ser incrível em todas elas, e mesmo após 30 anos de seu lançamento original, é quase uma obrigação para os amantes de quadrinhos conhecer essa fantástica obra, e desfrutar de todos os personagens com personalidades problemáticas de Alan Moore. Aqui encerramos nossa retrospectiva de Watchmen, e caso você não conheça a obra, fica aqui a recomendação tanto para o filme quanto para a graphic novel. É uma história que dificilmente veremos igual por aí, tamanha é sua qualidade e complexidade, e por conta disso jamais será esquecida.