O Brutalista é um daqueles filmes que tornam a experiência de ir ao cinema em um verdadeiro prato cheio, é impressionante, desagradável, decididamente ambicioso e pode te fazer sorrir, mesmo que deixe um gosto amargo. O espectador é abruptamente envolvido é um filme que imita a vida real, e isso pode ser brutal.
Dirgido por Brady Corbet, O Brutalista é uma meditação inflexível e honesta sobre arte e comércio, homens e dinheiro, amor e arrogância, mas são os detalhes que tornam a história uma obra verdadeiramente contemplativa. É uma crítica ousada e severa sobre o sonho americano que para muitos foram, e para outros ainda são, a angustiante materialização de um pesadelo.
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Escapando da Europa do pós-guerra, o arquiteto visionário László Tóth (Adrien Brody) chega à América para reconstruir sua vida, seu trabalho e seu casamento com sua esposa Erzsébet (Felicity Jones) após ser forçado a se separar durante a guerra por mudanças de fronteiras e regimes. Sozinho em um novo país estranho, László se estabelece na Pensilvânia, onde o rico e proeminente industrial Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce) reconhece seu talento para construções arquitetônicas. Mas poder e legado têm um custo alto.
Tóth é um arquiteto célebre da escola Bauhaus. Ao mesmo tempo feios e bonitos, os blocos de concreto salientes de suas estruturas brutalistas buscam moldar um futuro pouco explorado pelos estadunidenses. Essas obras arquitetônicas são refletidas na estranha geometria do rosto, e principalmente, o nariz de Tóth – um artifício usado para trazer certo alívio cômico à trama que carrega discussões sombrias e delicadas em suas sublinhas constantemente.
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Sendo um filme em grande escala, há uma peculiaridade em suas sessões que não era visto há décadas. Dividido em duas partes e mais um epílogo, O Brutalista contém um intervalo de 15 minutos em tela, mesmo que a história não seja cansativa – principalmente na primeira parte – essa pausa muito bem apreciada – pode ser uma declaração de grandiloquência do diretor em tentar mostrar ao público que o seu filme é tão contemplativo que precisa de tempo para digerir e apreciar em seus mínimos detalhes.
Nos Estados Unidos, filmes que continham intervalos eram considerados “épicos” do cinema. E de fato, propositalmente ou não, O Brutalista é um filme épico, feito para ser visto nas telas grandes, é uma história ambiciosa e destemida, apesar de pequenas falhas desproporcionais em seu ritmo, que podem tornar a experiência ligeiramente constrangedora, no entanto, sincera.
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Uma das caraterísticas que tornam O Brutalista uma obra realmente convincente é a forma como o diretor Brady Cobert transforma essa história em algo profundamente pessoal e intimista. O espectador fica diante de algo enigmático, imersivo e tão orgânico que o filme se assemelha a uma cinebiografia. A vida desse homem, László Tóth, notavelmente representado pelo ator Adrien Brody – se desenrola facilmente diante dos nossos olhos que parece uma história real de um conhecido do passado.
Abrangendo diversos temas em seu escopo, alguns de forma quase subliminar, o filme pode levar o espectador a desenvolver diferentes interpretações dos fatos já que o longa é repleto de subtramas enigmáticos, uma ferramenta muito perspicaz e inteligente que torna tudo ainda mais interessante.
Brady Cobert atira dardos em várias direções e contempla a natureza corrosiva do capitalismo e suas falsas promessas de poder, junto com o drama de ser imigrante em um país, onde homens com aparência quase vagabunda podem ser arquitetos brilhantes e pessoas terríveis ao mesmo tempo, e homens terríveis podem ser ainda mais implacáveis e hediondos. O uso da religião também extremamente forte que serve como combustível para atear chamas de intolerância e violência que resulta em uma das cenas mais revoltantes do filme.
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Em meio há tantos conflitos, existe a caracterização e atuação de Adrien Brody, um ator veterano que ressurge implacável nesse papel complexo e peculiar. Brody tem uma atuação poderosa, é praticamente espirituosa a forma como ele transmite suas nuances de dor e paixão, medo e firmeza, delicadeza e genialidade, um homem que viveu atrocidades e mesmo assim mantém viva a arte em seu coração.
Esse papel pode trazer um segundo Oscar para Brody, que já tinha encantado a todos em um personagem familiar com a de Tóth, no longa O Pianista (2002), de Roman Polanski. Mesmo sendo inegável esse desempenho fortíssimo em O Brutalista, seria esse o trabalho que realmente poderia consagrar Adrien Brody com uma segunda estatueta?
Por outro lado, Guy Pearce é uma surpresa arrebatadora em seu papel como o excêntrico milionário Harrison Lee Van Buren, tanto que concorre ao prêmio de Ator Coadjuvante no Oscar desse ano. Pearce é efervescente, imponente e sonoro, beirando um vilão charmoso e furtivo, existe uma neblina escura sobre seu personagem, fruto de uma performance deslumbrante do ator.
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Felicity Jones sempre traz um frescor em tela, ela tem um brilho natural e tudo ao seu lado fica evidentemente mais atraente. A atriz que aparece apenas na segunda parte da trama, consegue transmitir todo o seu talento, é incrível como ela fica bem ao lado de qualquer personagem. Não é arriscado dizer que seu desempenho como Erzsébet roube as cenas do protagonista em diversos momentos.
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Em seus últimos minutos, O Brutalista acelera seu ritmo e derrapa para uma conclusão perturbadora que pode ter sido o ápice da grandiosidade construída ao longo da história, mas que também pode ter sido o seu maior erro. No entanto, existe uma atmosfera tão densa e pesada que o filme cria sua própria força gravitacional que empurra e envolve o espectador para dentro da trama. Há também uma inquietude a cerca da trilha sonora, que nunca para, e se complementa com a característica nervosa do protagonista.
Em suma, O Brutalista se apoia fortemente em sua contemplação em larga escala, desde sua sequência de abertura com aquela imagem magnífica da Estátua da Liberdade invertida – um prelúdio de quão agridoce será para o protagonista buscar o sonho americano – até a sequência de Alpes Apuanos, na Itália, com cenas exuberantes de mármore bruto, ou estradas longas e vazias que refletem o desejo do protagonista de chegar a algum lugar. Tudo é irresistível, mas pode haver decisões estranhas ao longo de seu caminho.