Gris é aquele tipo de jogo que nos marca de alguma forma. Quando tive a oportunidade de jogá-lo, fiquei deslumbrado com seu belíssimo visual artístico, trilha musical encantadora e, não menos importante, com sua temática. O jogo aborda a depressão de uma forma totalmente abstrata – e o mais incrível: sem usar uma única palavra! Quando a Devolver e o Nomada Studio anunciaram Neva, eu automaticamente já fiquei interessado.
Neva é o segundo jogo do estúdio espanhol e, artisticamente falando, tem a mesma energia do seu antecessor – um título que inevitavelmente farei comparações constantes. Contudo, é notável o esforço que seus desenvolvedores tiveram em fazer deste um game com mais “cara de jogo”. Ao mesmo tempo que é contemplativo, ele também é bem mais complexo que Gris, fazendo desta uma jornada um tanto desafiadora.
Um mundo em ruína
Em Neva, assumimos o papel de uma jovem mulher chamada Alba, que costumava viver em um mundo próspero e embelezado por muitas cores. Contudo, o surgimento de uma força das trevas começa a sugar a beleza daquele lugar, destruindo tudo que toca e o tornando cada vez mais monocromático. Para sobreviver à calamidade, Alba acaba se aliando a um filhote de lobo que, com o tempo, acaba se transformando em uma fera gigante e imponente.
É nesse contexto que mergulhamos no belíssimo – e melancólico – mundo de Neva. Logo de cara, o que mais chama a atenção é o visual, que novamente remete a uma pintura viva. Aqui, tudo é estonteante e ouso dizer: até mais artístico que em Gris! O uso das cores e da iluminação para transmitir diferentes níveis de emoção é simplesmente perfeito, assim como a trilha escolhida para cada momento, variando do som ambiente para faixas orquestrais absolutamente épicas.
O jogo segue um estilo de arte mais monocromático, aplicando diferentes tons de uma mesma cor nos cenários. Por vezes, você estará explorando ambientes completamente vermelhos e ameaçadores, mas ao adentrar uma região com cachoeiras, se deparará com um cenário quase que inteiramente azul. O fato da personagem ser tão pequena na tela ajuda a manter todos os lugares contemplativos.
Entretanto, Neva não é somente um rostinho bonito. Gris era um jogo que claramente seguia pelo sentido oposto, sendo nulo em termos de desafios e trazendo apenas mecânicas muito básicas, que favoreciam a exploração. Seu sucessor busca incrementar mais a experiência com uma quantidade impressionante de movimentos e uma dificuldade que, em diversos momentos, consegue ser frustrante.
Evolução
Não sou contra jogos 100% contemplativos, mas também não costumo dispensar um bom desafio de plataforma. Ao longo de sua curta duração (o jogo mal chega a seis horas), Neva introduz muitas mecânicas diferentes e todas serão exploradas de forma bem inteligente conforme avançamos. Tanto os puzzles quanto os combates vão ficando mais difíceis e, em alguns momentos, vão dar dor de cabeça!
Não chega a ser nada impossível, mas dependendo do nível de habilidade do jogador, o tempo da campanha pode se estender consideravelmente. Aqueles que não contam com o dom da paciência ainda têm a possibilidade de alterar a dificuldade do jogo para algo mais brando, facilitando boa parte desses desafios. Dessa forma, sua experiência com Neva pode ficar mais próxima da que teve com Gris.
Particularmente, esses saltos de dificuldade me deixaram meio dividido. Muitas das mecânicas que desbloqueamos ao longo da campanha são divertidas de usar, mas também existe uma parcela que não é tão prazerosa. Ficar preso em uma longa sequência de desafios que nos força a usar os movimentos que menos gostamos acaba se tornando frustrante – mas você sempre pode diminuir a dificuldade quando desejar, não precisa ter vergonha disso.
Dito isso, podemos resumir que Neva é uma evolução de Gris a partir daquilo que seu antecessor mais carecia (não que isso fosse um problema no anterior). Gris focava na arte e na mensagem, enquanto Neva tenta equilibrar os momentos contemplativos com ação e desafios estimulantes. O resultado ficou excelente, mas nem tão equilibrado quanto poderia ser.
Neva é artístico, bonito e profundo, ao mesmo tempo que é divertido e desafiador. Nessa equação, também podemos incluir alguns pontos negativos, como frustrante e, por vezes, até maçante. Contudo, seus defeitos não tiram o brilho dessa aventura, que mais uma vez coloca o Nomada Studio em um patamar de destaque nesta indústria saturada por jogos sem alma.