Alfred Hitchcock foi um dos maiores gênios do gênero suspense, por mais que hoje tudo já esteja bem manjado, o cineasta tinha a grande capacidade de apresentar um bom mistério. E é exatamente daí que brota a semente de um bom suspense: o enigma.
Seja em “Psicose”, “Os pássaros” ou mesmo “Disque M para matar”, toda trama se organizava a partir de uma incógnita, de uma dúvida suprema que afligia todos os personagens e os instigava a resolve-la, já que geralmente esse questionamento era acompanhado de um grande sofrimento.
Não é diferente em “Não! Não olhe!” (Nope, 2022), que começa com um mistério em busca de respostas. Porém, diferente do que é apresentado nos clássicos do gênero, aqui as coisas acontecem no seu tempo, às vezes com uma demora sem fim, às vezes com uma piscadela tudo já foi ajustado e encaminhado como já estivesse subentendido desde o princípio. Muitas vezes a vida cotidiana dos personagens parece importar muito mais que a ameaça do lado de fora, até que a coisa esteja realmente absurda para lhes chamar a atenção.
O que não parece ser um erro de roteiro, longe disso, mas uma abordagem específica do diretor Jordan Peele, fazendo crer que esta é a ideia que precisa ser apresentada. A montagem de “Não! Não olhe!” assim como a fotografia, é um tanto seca, simplória, pode-se dizer, não sendo nada surpreendente. O que realmente encanta é a interpretação dos atores principais Daniel Kaluuya como O.J. e Keke Palmer como Emerald, que dão todo o ritmo ao filme.
O curioso nessa obra é o tom de naturalidade dos personagens com o absurdo, como se ele fosse corriqueiro, como se tudo fizesse parte da realidade como o chão que eles pisam, e pudesse ser tratado como uma infestação parasita qualquer, mas sem histrionismo, sem aquele ar canastrão de heróis. Graças a isso o mistério dura muito pouco, não é dada uma série de expectativas que precisam ser resolvidas no fim, aparentemente as coisas simplesmente estão acontecendo, o que tira um pouco da carga ansiogênica do suspense.
“Não! Não olhe!” não é um filme de suspense, não é um western moderno, talvez seja um discurso do diretor em formato audiovisual, direcionado ou não, mas com um argumento, certas sequências deixam claro o assunto do qual se pertente debruçar a reflexão, talvez aí se apresentem as pistas do enigma. Portanto, “Nope”, melhor traduzido talvez como “não, de jeito nenhum”, seja uma negativa do diretor/roteirista/produtor Jordan Peele.
Uma negativa aos gêneros aqui trabalhados, uma negativa ao que já é estabelecido classicamente pelo Cinema, isto é, este filme se recusa a compactuar com aquilo que talvez seja comumente pedido, um risco, que tem seus ônus e seus bônus. Sendo a proposta interessante e a argumentação bem colocada, a alegoria que foi desenhada foi bem apresentada, quase obvia, mas sem exageros. O que fica de resquício na mente depois do fim e a célebre frase da Esfinge: “decifra-me ou devoro-te”.