Do prestigiado diretor sul-coreno, Bong Joon Ho – que retorna às telonas após hiato de seis anos – Mickey 17 é um thriller de ficção científica estranhamente divertido, emocionante e necessário. É um olhar sarcástico e honesto sobre o desejo da raça humana em querer conquistar tudo a qualquer custo. É uma distopia carregada de humor seco e simbolismos políticos e éticos.
Como de costume, Bong Joon Ho desenvolve essa história de maneira sombria e envolvente, que se encaixa perfeitamente com os seus trabalhos anteriores, como Expresso do Amanhã (2013), Okja (2017) e o aclamado Parasita (2019). Não somente isso, mas Mickey 17 se encaixa na realidade de forma muito precisa e cirúrgica.
Situado em um futuro distante, o filme é centrado em Mickey Barnes (Robert Pattinson), um trabalhador de nave espacial designado como “dispensável”, assim chamado porque seu corpo pode ser reimpresso e suas memórias restauradas caso ele morra, o que acontece, muitas vezes. Durante uma missão para colonizar um planeta remoto gélido, a 17ª iteração de Mickey (conhecida como Mickey 17) cai em uma fenda e é presumida morta, então quando ele sobrevive milagrosamente e retorna ao acampamento base, ele fica surpreso ao encontrar seu substituto recém-impresso, o Mickey 18 (Pattinson).

Mesmo com uma ideia impressionante, Bong Joon Ho pesa a mão em seu conto satírico, e Mickey 17 vai muito além de uma história sobre réplicas humanas no espaço, mas o filme ganha discussões realmente provocadoras e apresenta diálogos e atuações pertinentes.
Logo, pode ficar claro que o conto de colonização espacial é, na verdade, sobre o renascimento do fascismo atualmente, especialmente quando há um antagonista (Mark Ruffalo em seu papel como o bilionário sádico, Keneth Marshall) que fala com uma cadência semelhante à de alguns líderes políticos que sonham em liderar uma “raça humana tão pura quanto à neve branca”, além de arquitetar um plano para extinguir uma raça de insetos do planeta, sem saber que eles exibem sinais de vida inteligente.

Apesar da genialidade de Joon Ho, como em qualquer filme ambicioso de ficção científica, Mickey 17 não está isento de falhas e se desenvolve de maneira confusa e irregular em diversos momentos. Com um enredo arriscado e inconsistente, o seu ritmo é morno – pode ser arrastado e agradável a depender de quem o aprecia – e a história se desenrola em um tempo de execução potencialmente punitiva de 139 minutos (2 horas e 19 minutos), o que pode ser longo para a maioria das pessoas.
No entanto, é graças a sua charmosa e estranha premissa e as atuações comprometidas do elenco e, mais precisamente, de Robert Pattinson, que Mickey 17 se sustenta brilhantemente. O ator tem a difícil missão de interpretar dois personagens que são idênticos e diferentes ao mesmo tempo, e ele faz um trabalho de voz impecável em ambos os Mickeys e seu desempenho é sólido em todos os atos.

Em contrapartida, Pattinson está muito bem acompanhado em tela com a atriz Naomi Ackie desempenhando um papel muito além de apoio amoroso, mas entregando uma personagem de grande valor como Nasha. A atriz simplesmente consegue se sobressair de um personagem padrão coadjuvante e faz uma performance poderosa no ato final mediante um discurso emblemático, que sustenta todo o processo criativo e sarcástico de Bong Joon Ho ao longo do filme.

Naomi Ackie rouba cena e faz um desempenho incrível como Nasha.
A falha evidente em seu ritmo pode ocasionalmente ameaçar o tom de Mickey 17, já que o filme é repleto de personagens e subtramas exagerados e complexos, e Bong Joon Ho, com sua equipe competente de edição, trabalham arduamente para equilibrar todo o rico material que possuem em tela.
Mesmo assim, o personagem de Steven Yeun (Timo, que é melhor amigo de Mickey) em particular, parece que seu tempo de tela é drasticamente reduzido na pós-produção. O que é uma pena porque o seu arco é projetado para espelhar o de Mickey (com quem ele tem o relacionamento mais intrigantemente complicado), mas é relegado a ser um personagem de fundo, mesmo que sua jornada seja estabelecida adjacente à do protagonista.

Por outro lado, é notório que o enfoque seja entorno de Mickey, mesmo que isso signifique diminuir o tempo de tela de outros personagens tão bem desenvolvidos. No geral, todos conseguem transmitir com êxito a essência de seus papéis, como a atriz Toni Collete que vive a esposa de Marshall, Ylfa, ao dar vida a uma mulher desprezível que está empenhada a alimentar os interesses sádicos do marido.

Por meio de uma energia caótica , hilária e atormentadora, Mickey 17 retrata o futuro – ou presente – onde a ganância e a ignorância da humanidade é uma doença corrosiva que o acompanhará até os confins do espaço. É um filme para entreter, mas para pensar. Bong Joon Ho parece se divertir enquanto sorrateiramente imprime sua personalidade com seus toques de selvageria e caos.
Mickey 17 estreia em 06 de março nos cinemas brasileiros, confira o trailer aqui, ou assista logo abaixo: