Life is Strange pode não ser o tipo de jogo que agrade todo mundo, mas a sua importância no cenário atual de games é inegável. Enquanto temos tantas desenvolvedoras enfiando uma enxurrada de jogos AAA quase idênticos goela abaixo do consumidor, não fugindo muito da famosa trindade “Battle Royale, Roguelike, jogos de sobrevivência”, a Dontnod não falha em trazer um título diferente da massa e que ainda aborda temas atuais e importantíssimos.
Todos que jogaram o primeiro jogo provavelmente ficaram tão receosos quanto empolgados com esta sequência, afinal, a Dontnod estava pisando em ovos. Se trouxessem Max de volta poderíamos ter apenas mais do mesmo, enquanto se fizessem uma história inédita com novos personagens, correria o risco de nenhum deles ter o carisma da dupla Max e Chloe. Eis que com o lançamento do primeiro episódio da sequência, intitulado Roads (Estradas, do inglês), enfim pudemos descobrir o que aconteceu naquele misterioso trailer e quem eram os garotos que marcaram presença no final de The Awesome Adventures of Captain Spirit.
Um mundo nem tão diferente assim
Nossos novos protagonistas são irmãos e vivem em Seattle. Sean é o mais velho, de 16 anos, e será quem controlaremos nessa nova fase de Life is Strange. Seu irmãozinho, Daniel, de 9 anos, fará o papel de Chloe neste título, acompanhando Sean por todo o jogo onde quer que ele vá. Porém, agora as coisas se inverteram se comparado ao primeiro, pois nós não controlamos o personagem que possui poderes, apenas o acompanharemos, aprendendo a lidar com essas habilidades que nem ele próprio conhece.
Ambos viviam tranquilamente com seu pai até um grande desastre atingir suas vidas e obriga-los a fugir de sua cidade para permanecerem juntos. Esse primeiro episódio é apenas baseado nisso, na fuga dos dois irmãos e no início dessa longa jornada que os aguarda. Agora eis a parte interessante disso tudo: enquanto o primeiro jogo abordava assuntos como suicídio, bullying e homossexualidade, a Dontnod resolveu trazer uma crítica social mais ampla em Life is Strange 2, que atingisse todo o povo americano e não só um nicho. O jogo se passa em 2016, e o que estava acontecendo no final desse ano nos EUA? Isso mesmo, eleições presidenciais.
Existe um detalhe muito pertinente com Sean e Daniel que os torna personagens com tanto potencial para críticas sociais quanto Max e Chloe. Eles são latinos, descendentes de mexicanos, e todos sabemos que a principal promessa da campanha de Donald Trump – o candidato que venceu as eleições de 2016 e atual presidente dos Estados Unidos da América – era construir um muro na fronteira entre o México e os EUA. Tudo isso é citado no jogo de maneira muito sutil, como se fosse um protesto escondido em linhas de diálogo e textos opcionais, mas veremos sim demonstrações claras de xenofobia e racismo contra os dois neste episódio, e isso apenas mostra o quanto a Dontnod amadureceu de um jogo para o outro.
Ao mesmo tempo que os protestos estão a todo vapor, teremos todo aquele sentimento fraternal e até mesmo de pai e filho entre Sean e Dani, o que é um fator cada vez mais comum em jogos focados em narrativa. Depois do sucesso de The Last of Us e God of War, o quadro aqui muda um pouco ao colocar um adolescente que não sabe cuidar nem de si mesmo para servir de figura paterna para o irmão mais novo que, apesar de suas diferenças, age e pensa como uma criança normal e tem pouca noção da realidade. É tudo isso que torna Sean e Dani uma dupla de peso e nos faz querer jogar mais e mais.
Novidades nem tão novas
Life is Strange 2 traz algumas novidades em suas mecânicas, mas não é nada de tanto peso. O jogo ainda está basicamente idêntico ao primeiro, onde andamos e exploramos os cenários, interagindo com as coisas, ouvimos os pensamentos do protagonista e conversamos com as pessoas.
Uma das novidades está nas conversas, pois agora não existem diálogos apenas quando vamos até um NPC e interagimos com ele. Vários diálogos acontecem em tempo real no gameplay, onde as opções de resposta aparecem repentinamente e devemos pensar rápido para responder algo, pois até isso tem alguma implicância posterior na história. Essa não é bem uma mecânica inédita de Life is Strange 2, pois já havia sido introduzida em The Awesome Adventures of Captain Spirit, que serviu de prólogo para este jogo.
Com respeito as escolhas, aparentemente este título tem uma gama muito maior de causa/consequência que o primeiro, pois além dos diálogos repentinos, existem também eventos momentâneos que também acontecem durante a nossa jogatina e podem influenciar no relacionamento de Sean e Dani, deixando o garoto mais amigável ou mais irritado com você. Existem diversas interações entre os irmãos espalhadas pelo cenário, dependendo exclusivamente da exploração do jogador e da paciência de vasculhar tudo. Todas essas interações contam como algum aprendizado para o menino, assim gerando uma consequência em algum momento do jogo.
Mas não pense que tudo são rosas. Nos cenários que temos liberdade de explorar existem muitas interações, e grande parte delas não acrescentam em nada, te fazendo perder um bom tempo enquanto sai interagindo com todos aqueles pontos. Algumas te garantem colecionáveis, mas a grande maioria está ali apenas para fazer o jogador “matar o tempo”. Esses trechos muito interativos, em especial, estão ali justamente para esticar o tempo de episódio, já que os acontecimentos realmente importantes são muito breves e encaixados estrategicamente entre esses momentos de exploração.
Aliás, se você está se perguntando se o final do primeiro jogo influencia em algo neste, parece que sim, pois antes de começar nos é perguntado se jogamos a primeira temporada e qual final fizemos – resta saber o que isso vai mudar na história. Só esperamos que as escolhas deste sejam realmente significativas e não acabem passando a falsa sensação de que tudo tem peso, como foi no primeiro, para nos dar apenas duas opções de finais no último episódio.
Os gráficos estão consideravelmente melhores que do anterior (ainda sendo os mesmos de Captain Spirit) e as músicas indie continuam marcando presença aqui, então pode se preparar para conhecer mais um punhado de música boa e alternativa nesta sequência. Uma coisa a se elogiar são as legendas, que estão em português e muito bem localizadas, com gírias que nem nós mesmos ousamos usar. Mesmo não estando dublado no nosso idioma, a localização não deixa a desejar e ninguém vai passar aperto.
Roads foi um bom começo para esta temporada. Não revelou demais e não possui reviravoltas ou momentos muito marcantes, mas foi uma boa introdução para os novos protagonistas e nos deixa ainda mais intrigados para saber onde vai se encaixar tudo que esperamos ver neste título: Arcadia Bay e o menino Chris, que protagonizou o prólogo. Que venha o segundo episódio e nos traga mais respostas.