Garota Tsunami, livro da Editora Gutenberg, foi uma das melhores surpresas do primeiro semestre de 2024. A obra escrita por Julian Sedgwick e ilustrada por Chie Kutsuwada surpreende por conseguir narrar uma história em prosa e mangá. Quase como duas obras em um e transcendendo a ideia de livro ilustrado, a jornada de Yuki durante sua visita ao Japão para reencontrar seu avô acaba sendo bruscamente interrompida pela tragédia de 2011 com o terremoto e tsunami da costa leste de Tohoku.
Diferente de obras literárias que retratavam os acontecimentos que ganharam grande repercussão mundial por conta do acidente nuclear de Fukushima, seja por meio das histórias de sobreviventes ou fatos envolvendo a região, Julian buscou no povo de Odaka as experiências dolorosas para construir uma narrativa que aborda o poder da amizade, esperança e superação. Chie complementa o excelente trabalho criativo da dupla ao traduzir visualmente como a arte torna-se um importante componente para o crescimento, seja parte de uma renovação ou força necessária para a resiliência em momentos difíceis.
Com a arte de Jiro e o amor pelo trabalho de seu avô, tentando seguir seus passos em meio às dificuldades da adolescência, Yuki será a responsável por trazer para o leitor um pouquinho das várias facetas do Japão, seja durante a tragédia ou com o poder da arte em misturar o real com o sobrenatural. Na companhia do seu super-herói dos mangás, o Meia Onda, elementos do folclore japonês, e um novo amigo, Taka, vamos acompanhar uma história repleta de sentimentos através da relação entre avô e neta.
Proporcionando uma leitura rápida e prazerosa, principalmente pelas páginas com passagens em mangás, a escrita de Julian Sedwgick é simples e direta. Contemplativa nos momentos certos, investigativa nos detalhes que exigem atenção do leitor, angustiante ao entrarmos nos medos e conflitoes de Yuki, e cativante ao se propor em também ser um intercâmbio cultural. Afinal temos muitos termos do japonês e a maneira como ele é interpretado para traduzir questões importantes sobre pertencimento e identidade pela ótica de gerações diferentes.
Um dos pontos altos do livro está na metalinguagem sobre como as páginas em quadrinhos, com arte em estilo mangá, servem para retratar passagens que integram a história ao mesmo tempo em que são os desenhos de Yuki e a representação do mundo criado por ela e seu avô. A arte de Chie Kutsuwada mescla o imaginário de Yuki, os pensamentos de Jiro e uma história vista através de outros personagens que podem ou não existir, mas que dependem também da sua imersão e crença na jornada de Yuki.
A edição brasileira, publicada pela Editora Gutenberg, foi muito bem trabalhada e se destaca das versões internacionais, com capa cartão e uma ilustração que flerta com a história, trazendo Yuki, Taka e elementos que parecem fazer parte de um caderno de ilustração, inclusive na escolha da fonte utilizada para o título e elementos tipográficos, e um marca página destacável vem acompanhando as orelhas da capa.
Com pouco mais de 300 páginas e um excelente glossário, que serve como complemento para os termos em japonês utilizados ao longo da história, no final da leitura, além de você se emocionar com o desfecho da história de Jiro, Yuki e Taka, também poderá conhecer um pouco mais sobre como esse obra literária foi construída.
Depois de relembrar muitos momentos ao lado do meu avô enquanto eu participava dessa incrível e emocionante viagem literária pelo Japão, fico na esperança de que Chie Kutsuwada lance o mangá do Meia Onda!