Felipe Pan, autor brasileiro de quadrinhos, conversou com o Portal do Nerd numa entrevista exclusiva sobre seu mais recente lançamento, “As Sereias de Haarlem“. Descubra como foi criar essa obra, num trabalho em parceria com a ilustradora Gio Guimarães e lançada pela Editora Nemo, que explora a história de três jovens holandesas que fizeram parte da resistência durante a Segunda Guerra Mundial.

Como surgiu a ideia de contar a história em HQ?
Em 2020, no alto da pandemia, acabei esbarrando em um artigo em língua inglesa que apresentava, de forma bem superficial, as figuras de Hannie Schaft e das irmãs Oversteegen. Fui fisgado no mesmo instante e, conforme reuni mais e mais artigos e textos sobre elas, mais intrigado fiquei tanto com seus atos destemidos quanto com o fato de serem tão pouco conhecidas. Foi dessa vontade de apresentar as três jovens ao público brasileiro que nasceu “As Sereias de Haarlem”.
Como foi o processo para transformar eventos reais em uma narrativa de ficção histórica em quadrinhos?
Como já havia trabalhado em outra ficção histórica em “O Menino Rei”, procurei seguir o mesmo caminho de pesquisa antes de começar a planejar o quadrinho. A diferença, dessa vez, era o quanto eu poderia criar em cima dos eventos que descreveria. Dada a distância tanto espacial quanto temporal entre nós e o Egito Antigo (assim como os enormes buracos na reconstrução histórica da 18a Dinastia), tive um pouco mais de liberdade para costurar os eventos na história de Tutancâmon. Já em “As Sereias de Haarlem”, por tratar-se de uma história cujas protagonistas estavam vivas até poucos anos atrás, optei por me ater ainda mais aos eventos históricos documentados. Há uma certa licença poética na forma como estruturei a narrativa em torno de um conflito em específico, mas todos os eventos abordados são descritos tais quais os conheci.

Como foi trabalhar com a ilustradora Gio Guimarães?
Sendo uma história protagonizada por três mulheres, não havia sentido escolher um artista que não fosse também uma mulher. Enquanto buscava uma parceira para o projeto, então, conheci a belíssima arte em aquarela da Giovanna através da obra “A Música de Eric Zahn”. Na mesma hora, não fui mais capaz de visualizar a obra nas mãos de ninguém mais, já que ela carregava tanto a estética remetente à primeira metade do séc. XX quanto o simbolismo que a história pedia.

Como “As Sereias de Haarlem” se diferencia de seus trabalhos anteriores (“O Menino Rei” e “Gioconda”)?
Em primeiro lugar, muito obrigado por acompanhar nosso trabalho com tanto esmero! “Gioconda” é uma história de amor com pitadas de realismo mágico que é, de uma certa forma, uma carta de amor ao mundo das artes. Já “O Menino Rei” é o resultado da minha paixão por história antiga e mitologia. Em “As Sereias de Haarlem”, além de tentar apresentar a história fascinante dessas três jovens ao público brasileiro, minha intenção foi (e ainda é) de frisar o quão horrendo foi o período de ocupação nazista até mesmo para países que foram inicialmente tolerantes com os avanços das tropas alemães, como foi o caso dos Países Baixos. Sinto que agora, com lideranças mundiais flertando tanto com ideologias tão nocivas, precisamos estar ainda mais vigilantes. Apesar de se passar no passado, “As Sereias de Haarlem” talvez seja minha obra mais contemporânea até aqui.
Qual a importância em enfatizar a coragem e os dilemas morais enfrentados por Hannie, Truus e Freddie ao retratar essas personagens históricas?
Apesar da idade, as três jovens lutaram fervorosamente para impedir a ocupação nazista e ajudar a trazer um fim à guerra. Assim como tantos outros jovens e adultos que fizeram parte de inúmeras células de resistência, elas encararam o perigo de frente sabendo as consequências do fracasso tanto para elas quanto para aqueles que amavam — mas isso não impediu que, diversas vezes, questionassem a si mesmas pelas linhas que tinham de cruzar para combater um mal tão impiedoso. A complexidade dessas escolhas e a coragem mostrada diante de tanta opressão ressaltam como o ato de resistência é tão difícil quanto necessário.

O que você espera que os leitores levem consigo após a leitura de “As Sereias de Haarlem”?
Espero que entendam o quanto é necessário combater ideais tão intolerantes e perigosos como os que as três jovens enfrentaram — e também aqueles que estamos presenciando nos tempos atuais. Sejam gestos de bilionários em um palanque ou tatuagens reveladas publicamente, não há outra alternativa senão apontarmos o dedo, nomearmos as coisas corretamente e nos mobilizarmos. Não estamos lidando apenas com fantasmas do passado, mas sim pessoas reais dispostas a moldar o mundo a seu bel-prazer.
Olhando para suas próximas publicações, podemos esperar mais do seu trabalho explorando histórias das “Grandes Guerras” ou de resistência feminina em futuros projetos?
Para os próximos projetos, tenho temas bastante diferentes. Gosto bastante de me desafiar e explorar caminhos narrativos distintos, seja através de culturas distantes ou tempos esquecidos. Espero que nossos leitores e leitoras também tenham interesse nos próximos temas e personagens nos quais estamos trabalhando!