Desde 2012, com o lançamento de Far Cry 3, a Ubisoft vem carregando a responsabilidade de trazer os vilões mais insanos dos videogames a cada capítulo novo da saga Far Cry. A partir do momento que os vilões se tornaram os garotos propaganda da série, um leque de possibilidades foi aberto, afinal por que não misturar todo esse prazer culposo com assuntos polêmicos?
Eis que aparentemente essa era a ideia inicial de Far Cry 5, que prometeu abordar um tema que sempre foi e sempre será polêmico: fanatismo religioso. Só de ver a capa do jogo já notamos que a Ubisoft não estava pra brincadeira, afinal nem todo mundo levaria na esportiva uma reimaginação da Última Ceia de Da Vinci com armas de fogo e pessoas claramente torturadas em nome de Deus. Será mesmo que Joseph Seed conseguiu carregar o legado de crueldade da vilania de Far Cry com sucesso?
Que comece a ceifa!
Far Cry 5 é o primeiro jogo da série a se passar nos Estados Unidos da América, ou melhor, o local onde ele realmente se passa é fictício, mas a ambientação é puramente em solo americano. Tomaremos o controle de um agente que está a caminho de Hope County, um condado dominado por uma seita maligna chamada de Portão do Éden, cujo líder, Joseph Seed, acredita ser o predestinado a unificar o mundo antes que a humanidade se extinga.
O problema é que ele está disposto a fazer qualquer coisa para alcançar seu objetivo, mesmo que ele mesmo precise extinguir todos que não aceitem se juntar a sua causa, então logo já vemos que seu objetivo é bem paradoxal. Joseph não atua sozinho, onde seus irmãos também fazem parte da “diretoria” da seita e cumprem papéis importantes, desde sequestrar pessoas para serem novos “fiéis” até treiná-los para serem bons soldados e darem sua vida pelo Pai (o modo como chamam Joseph).
Seu pesadelo começa quando seu personagem e mais três autoridades invadem o condado e tentam prender Joseph, mas acabam descobrindo da pior maneira que seus seguidores estão mais do que dispostos a dar sua vida por ele, e assim começa o que eles chamam de ceifa, uma guerra contra todos os “pecadores” que se opõem aos edenetes. A introdução do jogo é intensa e espetacularmente bem escrita, digna de um filme hollywoodiano (dos bons), porém nela também veremos que o vilão é bem diferente do padrão Far Cry.
Aqueles que estavam esperando um show de crueldade nesse início ficarão bem decepcionados, pois Joseph não é insano como o Vaas ou cruel como Pagan Min, ele é apenas um psicótico que acredita ser o verdadeiro herói no seu lado da moeda. O Pai não mata nem tortura pessoas por prazer, ele age literalmente como um padre e sempre tenta convertê-las antes de condená-las. Sinceramente não achei a postura do vilão ruim, pois ele faz jus ao seu posto de líder religioso, mas por conta disso ele acaba se tornando o vilão mais esquecível da franquia até então.
Joseph não fica com os holofotes só para si, pois os Seed são uma família e seus irmãos fazem o papel dos vilões anteriores, possuindo suas próprias personalidades e preenchendo lacunas que ficaram faltando na personalidade do Pai. Então sim, você verá vilões egocêntricos, sádicos, manipuladores, e por aí vai, porque podemos dizer que o vilão de Far Cry 5 não é apenas Joseph e sim toda a família Seed.
Far Cry “Wildlands”
A Ubisoft resolveu reaproveitar alguns elementos de seus jogos mais recentes e trouxeram certas novidades bem divisoras de água nesse título. Agora você pode escolher o sexo e a aparência do seu personagem, podendo customizar cabelo, rosto, roupas etc. Não é uma variedade muito grande de opções e sinceramente nem faz diferença, afinal o jogo é em primeira pessoa, então você nem vê seu personagem! Isso é mais válido quando você vai jogar em coop, pois aí sim cada jogador tem o seu personagem e dá aquela sensação maior de “identidade”.
O mapa é grande mas consideravelmente menor que muitos de seus últimos lançamentos, o que não é ruim porque mapas gigantes sempre tendem a ficar repetitivos e cansativos demais de se explorar. Hope County é incrivelmente bem feita, com montanhas, lagos, florestas e tudo que você encontraria em um condado no interior do EUA. É claro que os gráficos contribuem bastante para toda essa beleza visual, então disso tudo não temos do quê reclamar.
O que acabou radicalmente alterado foi o sistema de progressão do jogo, que trilhou o caminho mais maçante e repetitivo do qual a Ubisoft já é especialista de longa data. O mapa é dividido em três regiões, onde cada uma é dominada por um membro da família Seed. Para você poder encarar Joseph e finalmente matar o chefão da seita, você terá que matar todos os seus três irmãos, e para isso terá que ir cumprindo uma série de objetivos em sua determinada região.
Porém Far Cry 5 resolveu tomar uma abordagem totalmente não linear, o que é legal até certo ponto, então o jogador está livre para ir aonde quiser desde o começo, e pode progredir como bem entender. Para você finalmente poder enfrentar um chefe de província, será necessário acumular um determinado número de pontos, esses que você adquire cumprindo missões principais, secundárias ou realizando eventos pelo mapa. Cada tipo de atividade te dá um certo número de pontos, e daí você pode fazer tudo como preferir até chegar no chefe. Caso você leitor não tenha jogado Tom Clancy’s Ghost Recon: Wildlands, que foi lançado no ano passado, saiba que o sistema de progressão é idêntico, apenas diferindo que lá são menos missões por conter muito mais províncias.
Esse não é um modo muito prático de se progredir no game, ainda mais porque não importa a província, as missões serão basicamente sempre as mesmas: ou você terá que matar um bocado de edenetes, ou caçar alguns animais, ou pegar algum item em algum lugar. Não há muita variedade e é bem capaz de você enjoar um bocado quando chegar na segunda província e ver que terá que seguir a mesma rotina de antes para matar outro chefe. A Ubisoft tentou compensar essa repetição com muito humor escondido em certas missões, então pode ser que você dê umas risadas e acabe até esquecendo que estava enjoado de jogar, mas não espere isso o tempo inteiro.
Outra coisa que foi inexplicavelmente alterada, e não pra melhor, foi o sistema de evolução do seu personagem. Não existem mais levels ou experiência, agora você deve ir realizando uma lista de desafios ou encontrando revistas que te dão pontos de habilidade, e com eles você compra diversas skills disponíveis para seu personagem. Não faz muito sentido você ser obrigado a cumprir desafios para ganhar esses pontos, pois são coisas que outrora nos recompensariam com troféus, por exemplo “atropele 10 inimigos” ou “mate 10 inimigos usando pistolas”.
Como grande parte das habilidades mais atrativas e úteis requerem um número absurdo de pontos, ou você terá que ir guardando tudo que obter e não gastar com nada até ter o suficiente ou terá que separar um bom tempo para sair cumprindo todos os desafios daquela lista, e pode se preparar porque são muitos.
É perigoso ir sozinho
Agora que o coop online do jogo foi bem aprimorado, permitindo que até 5 jogadores joguem a campanha inteira juntos, os jogadores solitários também tem uma opção muito válida caso prefiram encarar essa jornada sozinhos. Far Cry 5 te disponibiliza nove companheiros que te auxiliam nos combates, desde um fiel cachorro até um urso chamado X-Burguer, ou um maluco que atira bombas de um avião. Tem de tudo um pouco.
Todos esses companions são personagens da trama e podem ser desbloqueados caso você cumpra suas respectivas missões. A grande maioria é realmente útil e pode facilitar um bocado os momentos em que você se deparar com um lugar recheado de edenetes, pois caso você localize os inimigos usando seu binóculo e ordene seus companheiros a mata-los na furtividade, é bem capaz que eles farão a limpa no lugar sem você sequer precisar mover um músculo. Os companheiros animais são ainda melhores em matéria de stealth, pois eles são muito mais agressivos, silenciosos e demoram mais para cair do que os humanos.
Todo esse conjunto de campanha não linear com companheiros e diversos pontos no mapa que devem ser descobertos explorando acabaram me dando a impressão de que eu estava mais jogando um Fallout do que um Far Cry. Se os jogos da Bethesda foram ou não inspiração para este título, só a Ubisoft pode responder.
Cumprir missões e meter chumbo em edenetes não são suas únicas atividades em Hope County, onde você e seus amigos também podem se divertir no modo Arcade. Podendo ser acessado em qualquer cartaz ou nas próprias máquinas de arcade, esse modo te disponibiliza um número absurdo de minigames a serem jogados, e o melhor: você mesmo pode criar seu minigame e disponibilizar para todos jogarem. É uma ótima pedida para quem quer dar um tempo daquele tiroteio intenso e relaxar com joguinhos mais descontraídos.
Com respeito a todo o resto, a física do jogo continua quase nula, pois pilotar veículos ainda é extremamente artificial e dar pancadas no mesmo é o equivalente a bater em um pedaço de isopor, porque os efeitos são mínimos. A trilha sonora é um dos pontos fortes, e mesmo sendo composta quase que apenas por músicas religiosas, eles conseguiram reconstruir essas canções de modo que se encaixou perfeitamente na atmosfera do jogo. Quem for jogar, muito provavelmente notará isso na cena de conclusão do prólogo, onde a música e o momento em questão se misturam perfeitamente e conseguem te imergir naquele mundo, te deixando mais interessado em continuar jogando.
Para concluir, deixei a maior dúvida para o final: Far Cry 5 realmente consegue abordar esse tema tão polêmico com a intensidade prometida? Infelizmente não, e isso foi bem decepcionante. O fanatismo religioso acabou sendo só um pano de fundo para tudo que está acontecendo de ruim naquele lugar, e também para explicar as motivações do vilão. Você verá pessoas mortas e torturadas, mas tudo não passa do cenário do jogo, é só enfeite. Nada é abordado com muita profundidade, o que é uma pena, porque esse tema é algo muito comum no mundo todo, ainda mais no local onde o jogo se passa. Essas seitas são uma realidade do povo americano e o jogo teria um impacto muito maior caso chegasse com os dois pés no peito ao invés de usar apenas como background do enredo. Uma pena, foi bastante potencial jogado fora, mas Far Cry 5 não deixa de ser um jogo muito divertido e Joseph Seed não deixa de ser uma boa aquisição para a galeria de vilões da franquia.