Existem jogos que se tornam clássicos instantâneos sem precisar de muito esforço – mesmo não sendo títulos tão inovadores ou marcantes como tantos outros. Fantasian se encaixa bem nessa categoria e temos um bom motivo para isso: esse é o último projeto em que veremos as lendas Hironobu Sakaguchi e Nobuo Uematsu trabalhando juntos. Não menos importante, esse será o último jogo cuja trilha musical foi inteiramente composta por Uematsu, intensificando ainda mais seu clima de despedida.
Sem Sakaguchi e Uematsu, não existiria Final Fantasy. O primeiro foi o idealizador da franquia, enquanto o segundo deu vida a inúmeros títulos com canções profundamente marcantes. Fantasian nasceu do amor de Sakaguchi por Final Fantasy VI, que lhe inspirou a criar um novo RPG em moldes antigos. Seu estúdio Mistwalker ficou famoso por trazer formas criativas de explorar o gênero e podemos dizer que Fantasian não fica de fora dessa equação.
Originalmente lançado para dispositivos Apple em 2021, o jogo finalmente está chegando aos consoles, agora com um novo nome: Fantasian Neo Dimension.
Como nos velhos tempos
Em Fantasian, assumimos o papel de Leo, um jovem que é transportado para uma dimensão paralela conhecida como Machine Realm; nesse processo, ele acaba perdendo sua memória. Esse já é um resumo bem eficiente do enredo, já que todo o resto se desenrola em torno do objetivo primário de recuperar as memórias do protagonista e descobrir quem ele é de verdade.
A campanha dura cerca de 60 horas e, no geral, sua história está bem longe de ser marcante. Convenhamos que amnésia é um dos temas mais clichês dos RPGs, mas fica claro que a proposta aqui é ganhar o jogador pelo mistério daquele mundo. Nisso o jogo não falha, especialmente pela abordagem artística que optaram seguir.
Fantasian segue o mesmo padrão visto nos JRPGs do PS1, com câmera fixa e cenários pré-renderizados com personagens tridimensionais. Contudo, todos os cenários do jogo são feitos com maquetes de verdade! Os desenvolvedores criaram mais de 100 dioramas para colocar no jogo, dando um aspecto igualmente realista e nostálgico à esta aventura.
Graças a isso, o visual do jogo ganha um charme adicional, mas também não chega a se isentar de alguns problemas. Em alguns momentos, a câmera dá um zoom que deixa tudo com um aspecto meio borrado, quebrando o encantamento. Acredito que essa tenha sido uma herança infortuna da versão original, que precisou se adaptar às limitações dos dispositivos mobile.
Já a trilha musical do Nobuo dispensa comentários. Quem conhece seu trabalho de longa data vai concordar que esse jogo está longe de ser sua maior obra-prima, mas a qualidade continua elevada. Somadas aos cenários feitos de maquetes, as músicas representam a segunda melhor parte de Fantasian.
Nostálgico e punitivo
Fantasian segue o formato de batalhas mais tradicional dos JRPGs, mantendo a lógica dos turnos. Nesse quesito, não há muito a ser destacado, já que trata-se de um sistema que conhecemos de cor e salteado. A variedade de inimigos disponíveis é um ponto que pode deixar a desejar, considerando que não demora para começarmos a encontrar as mesmas criaturas com cores diferentes.
Contudo, o jogo traz um jeito bem inventivo de combater a repetitividade dos combates aleatórios. Seguindo o formato clássico, as batalhas simplesmente pipocam na tela sem nenhum aviso prévio, mas através de um item chamado Dimengeon, torna-se possível prender alguns inimigos repetidos em seu interior, acumulando vários para enfrentar de uma vez só. Assim, você consegue lutar contra grupos maiores e mais recompensadores, evitando perder tempo com batalhas curtas que rendem pouco XP.
Por outro lado, Fantasian definitivamente não é um jogo fácil. Seu primeiro arco traz uma dificuldade mais equilibrada, mas a partir do segundo as coisas mudam da água para o vinho – um padrão que também reparei no recente Dragon Quest III HD-2D Remake. Tudo fica consideravelmente mais difícil e os chefes apelam sem dó nem piedade; caso você não esteja vários levels acima deles, é necessário ter um desempenho perfeito para conseguir vencê-los.
Todos os chefes consistem em puzzles que exigem alguma estratégia específica para serem superados, então essas batalhas não seguem a lei do mais forte. Ainda assim, um mísero erro pode custar todo o seu progresso, então jogar na dificuldade padrão pode ser bem frustrante. Pensando nisso, foi adicionado um modo Normal nesta nova versão, visando facilitar um pouco a vida de quem não deseja passar horas travado na mesma batalha.
Fantasian Neo Dimension também conta com outras novidades, incluindo dublagem em todos os diálogos (tanto em inglês quanto em japonês) e a possibilidade de trocar as músicas de batalha por faixas da franquia Final Fantasy. Por mais que isso tire um pouco da identidade do jogo, não dá para negar que toda música fica enjoativa após uma centena de batalhas, então essa é uma adição bem-vinda.
Dito isso, não há muito mais que possa ser dito a respeito de Fantasian. Ele é um JRPG moderno feito em moldes clássicos e, não menos importante, com o trabalho conjunto de dois grandes gênios. Esse definitivamente não é um dos jogos mais marcantes que você vai experienciar no gênero, mas certamente vai trazer à tona toda aquela nostalgia dos famosos “tempos dourados”.