Dead Cells foi um jogo que chegou timidamente no meio indie, e devido à enxurrada de roguelites que vem aparecendo nos últimos tempos era improvável que o título de mesmo gênero da francesa Motion Twin conseguisse se destacar de alguma forma. Porém, após passar 1 ano em acesso antecipado, ele conseguiu nos provar o quão mereceu aquele prêmio de melhor gameplay no BIG Festival 2018.
O jogo foi inspirado em diversos outros títulos, semelhanças que são notáveis logo de cara. Misturando metroidvania com roguelite, os próprios desenvolvedores assumiram que o famoso The Binding of Isaac foi uma das principais influências aqui, mas fica evidente que Dead Cells também bebeu da fonte do clássico Chakan: The Forever Man, do Mega Drive, Soul Reaver e até mesmo Dark Souls. Como não amar uma combinação dessas?
Morra, reviva, repita
Em Dead Cells pouco se é revelado sobre a história e seu protagonista, tendo um enredo completamente enigmático e interpretativo. Você controla um guerreiro conhecido no jogo como O Prisioneiro, este que tem uma chama no lugar da cabeça por estar morto e ter sido revivido por alguma substância (ou coisa) desconhecida. O Prisioneiro é imortal, e sua jornada sempre começa nessa prisão, onde o mesmo deve escapar e descobrir o que aquela ilha reserva para ele explorando tudo como bem entender.
Haverá muitos inimigos em seu caminho, e cada vez que O Prisioneiro morre faz com que ele sempre retorne de sua cela e seja ressuscitado novamente. Mas como o próprio jogo diz, a ilha em que o mesmo reside está viva e em constante mudança, então sempre que ele morre ele encara uma ilha diferente, pois ela sempre se altera a cada rodada.
Basicamente é isso que o jogo nos conta, e você pode ir descobrindo mais sobre a ilha conforme à explora. Sinceramente, a falta de um roteiro mais forte não influencia em nada que o jogo propõe, pois a graça da coisa está justamente na exploração e no mistério. Esse é um fator que lembra bastante Dark Souls, pois desde o começo você pode seguir o caminho que optar (que pode te levar para vários locais diferentes) e deve ir aprendendo com os seus erros, pois você vai morrer, e muito!
A semelhança com Soul Reaver acaba ficando exclusivamente no visual do protagonista (que convenhamos, é idêntico ao Raziel) e no visual do jogo como um todo, que carrega uma atmosfera muito sombria e gótica em seus ambientes, que lembram muito a série de Legacy of Kain. Já a influência de Chakan engloba totalmente o gameplay do jogo, que é o seu ponto fortíssimo e provavelmente o que prenderá o jogador por incontáveis horas de diversão.
Aqui você sempre começa com uma espadinha mixuruca e um arco ou escudo (fica a seu critério decidir qual te apetece mais). Dezenas de armas podem ser encontradas no caminho, assim como a receita de várias outras que devem ser construídas para serem usadas, e para cada uma delas O Prisioneiro adapta o seu estilo de combate. A variedade é muito grande: temos espadas, adagas, martelos, chicotes e até um sapato que te permite dar o famoso “chute de Esparta” do Leônidas, do filme 300.
A arma influencia muito no modo como você irá jogar e elas ainda possuem categorias diferentes, que podem ser de brutalidade, estratégia ou sobrevivência. Encontrando pergaminhos no caminho podemos evoluir esses atributos e melhorar ainda mais nossos equipamentos, e daí a coisa só vai ficando cada vez melhor.
Sabendo de tudo isso você já sabe muito bem os princípios básicos de Dead Cells: explore, encontre armas, faça upgrades, morra e repita o processo em um mapa completamente novo.
Brutal e desafiador
Diferente de muitos jogos do gênero, Dead Cells consegue te passar a sensação de que você sempre está explorando um mapa realmente novo, o que é muito difícil de se fazer já que nesse tipo de jogo você sempre recomeça infinitas vezes. Cada região possui a sua variedade de inimigos e eles são cheios de surpresas, então será necessário muitas mortes para decorar o que cada um faz e saber a melhor maneira de mata-los. Além disso, algumas também possuem chefes, que se derrotados te recompensam com runas que garantem novas habilidades permanentes ao personagem, te permitindo acessar novas regiões no jogo.
É comum os jogos roguelite exagerarem demais quando o assunto é dificuldade (quem jogou Rogue Legacy sabe do que estou falando), mas até nesse ponto Dead Cells é justo. A dificuldade é bem balanceada, e mesmo possuindo alguns saltos repentinos que acaba virando o jogo contra o jogador ainda é um título com uma dificuldade bem acessível para todos. Esses momentos em que a dificuldade aumenta repentinamente acontecem quando encontramos algum monstro de elite ou quando enfrentamos um chefe; isso quase sempre resulta em morte instantânea já que não estamos esperando, mas ao invés de desanimar, apenas serve como incentivo para repetir o processo e chegar ainda mais forte para obter sua doce vingança.
Armas é o que não faltam para destroçar seus inimigos, como citado anteriormente, mas nem só de armas é feito nosso amigo Prisioneiro. Você também conta com uma variedade de poderes, armadilhas e acessórios que te garantem uma série de vantagens, como deixar uma trilha de fogo por onde anda, armar uma torreta para atirar nos inimigos ou até congelá-los usando as próprias mãos. A variedade de tudo que podemos usar neste jogo é um de seus pontos fortíssimos e realmente impressiona, pois a quantidade de combinações e sequências que podemos usar é basicamente incalculável. A única coisa que acaba ficando meio sem sentido é o fato de não podermos usar as armas que desbloqueamos quando quisermos, onde o jogo nos limita a encontra-las explorando e a aparição das mesmas é aleatória.
Grande parte disso tudo é comprado com um comerciante que sempre encontramos pelo mapa vendendo itens aleatórios, ou construído com outro NPC que usa células que coletamos de inimigos para construir armas e dar upgrades permanentes no seu personagem. Esse é o único progresso que carregamos entre uma rodada e outra, pois sempre que morremos perdemos todas as nossas células e receitas de equipamentos coletados (mais uma cortesia de Dark Souls). Ainda assim, mesmo parecendo desgastante ter que repetir a “mesma” coisa tantas vezes, a vontade de ver todos os frascos que carregam nossos upgrades preenchidos é muito grande, e é bem capaz que isso seja o estopim de motivação que você precise para continuar jogando.
Para coroar esse combo de diversão com mecânicas bem feitas, o visual do jogo também não deixa a desejar, onde além dos gráficos detalhados e belíssimos temos uma qualidade de animação dos personagens simplesmente incrível. É impressionante o quão fluído são os movimentos não só do Prisioneiro como também dos inimigos, tudo é muito agradável de se ver. As músicas também são ótimas e se encaixam muito bem com cada ambiente, fechando com chave de ouro aquilo que já era perfeito.
Falo com tranquilidade que Dead Cells é sem sombra de dúvidas o melhor roguelite já feito até então e o melhor jogo indie lançado este ano. Ele é divertido, viciante, caprichado e possui um fator replay altíssimo, então é uma compra que vai te entreter por muito tempo. Mesmo com pequenas falhas, nenhuma delas é algo que chegue a irritar ou te prejudicar dentro do jogo, e por conta disso ele é perfeito em tudo que propõe.