É empolgante saber que estamos prestes a ver um filme provocador. Isso descobrimos logo na cena de abertura, quando somos surpreendidos com um corte inusitado e nos colocamos a pensar: mesmo que nada dê certo na história que vai começar, pelo menos ele é ousado suficiente para me fazer pensar. Acontece que o filme não só é ousado estrutural e formalmente, como também entretém bastante em sua narrativa. O filme abre com Veronica (Viola Davis) e seu marido, Harry (Liam Neeson), que é um grande assaltante, se beijando na cama. Quando, neste tipo de filme, um casal interracial é apresentado de forma tão afetuosa, torcemos pela escolha em um sentimento quase ingênuo. Então Harry, como um animal, avança ferozmente contra Veronica e a verdade do filme é posta, realçada quando a este momento intercala-se uma perseguição turbulenta de Harry junto de um grupo de assaltantes fugindo da polícia. A temática deste filme está posta ali: a situação de dominação através do poder, representada pela política, pela religião, pelo racismo, pelo machismo, etc.
As Viúvas é um filme em que três mulheres, cujos maridos morreram em um assalto que deu errado, se unem para roubar US$ 5 milhões, embora nenhuma delas tenha a menor experiência de atuar como criminosa. O filme não se trata do assalto em si, mas de toda a trajetória que essas mulheres fazem para chegar até o roubo. Para isso, elas passam por situações de impotência ao não conseguirem facilmente (ou dignamente) as informações para colocar o plano em prática e, consequentemente, terminam em uma forte união entre elas.
O diretor é Steve McQueen e seu último filme foi o ganhador do oscar de melhor filme: 12 anos de escravidão; o roteiro é co-escrito também pelo diretor, além da romancista e roteirista Gillian Flynn (Gone Girl, Sharp Objects). O roteiro consegue muito bem subverter algumas regras de filmes de assaltos, causando suspenses com recompensas maiores quando a cena se encerra. A direção também surpreende, com enquadramentos nada convencionais e com plano muito bem dirigidos, como no caso da cena do carro com Jack Mulligan (Colin Farrell). Após Jack, um político cuja família já se encontra há 60 anos no poder, sair do velório de Harry, ele entra em seu carro caro e blindado e cheio de seguranças. A cena continua sendo filmada de fora do carro, mostrando apenas as ruas por quais o carro transita, saindo da periferia pobre onde estava ocorrendo o enterro e indo em direção aos bairros ricos, onde as casas iam, gradativamente, ficando cada vez mais glamourosas e cheias de segurança (com grades e câmeras de vigilância). Enquanto isso é mostrado em um plano sequência, Jack, em seu discurso, diz como o bairro está mudado, havendo muita corrupção e desigualdade. O carro para e Jack salta acompanhado de seguranças e adentra uma casa milionária de segurança máxima.
Essa diferença entre poder dos personagens também é mostrada com bons conflitos internos, interpessoais, raciais e políticos, que se cruzam de uma maneira bem utilizada pelo roteiro. Para isso, a ação tem que andar mais devagar e Mcqueen não hesita, ele permite que as cenas fiquem silenciosas, sem medo de abraçar o conflito que cada personagem está passando. O que nos leva a alguns problemas do filme; é muito conflito e muito personagem. Várias linhas de interesse se cruzam e várias problemáticas competem a atenção das personagens e da direção em uma mesma cena. E para piorar, colocam essas personagens (que já não têm muito tempo de tela) contracenando com outras personagens que nada acrescentam à história e que irão desaparecer em menos de 2 minutos. Cada uma das personagens, dos políticos até os maridos das criminosas possuem um pequeno ou micro conflito interno ou interpessoal, o que acaba tirando a dramaticidade do conflito principal de Viola. Sobre ela, seu desempenho e de Elizabeth Debicki surpreende bastante e consegue mover muito bem o filme, mesmo apesar de a maioria das frases terminarem com uma frase impactante, reduzindo a veracidade da dramatização.
Resumindo, é o tipo de filme que, felizmente, vai reprisar muito na Temperatura Máxima