*Este review foi realizado com uma cópia do jogo disponibilizada pela Focus Entertainment.
Desde sua revelação em 2017, Atomic Heart gerou uma grande comoção pública e encheu o “coração atômico” da galera de uma coisa bastante perigosa: hype. O segundo jogo de um tímido estúdio russo chamado Mundfish prometia ser uma espécie de sucessor espiritual de Bioshock, com referências claras ao Infinite e alguns outros jogos famosos. Sempre ficou claro que era uma mistureba só, mas certamente prometia muito.
Infelizmente, o resultado final acabou indo na contramão das expectativas e alguns já o consideram a primeira decepção de 2023. Sendo sincero, não achei tão ruim quanto estão pintando por aí, mas definitivamente não era o que eu esperava. Atomic Heart foi vítima da sua própria ambição, tentando fazer tantas coisas ao mesmo tempo e não fazendo nada com o primor que poderia.
Uma nova utopia
Em Atomic Heart, entraremos em uma realidade onde a União Soviética venceu a Segunda Guerra Mundial e instaurou uma utopia comunista no mundo. O desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade foi absurdo, chegando ao ponto das pessoas conviverem pacificamente com robôs, que foram criados para servi-las. A coisa estava indo tão bem que não demorou muito para chegarem no ápice, criando uma tecnologia neural revolucionária, capaz de ensinar literalmente qualquer coisa a quem consumi-la.
É aqui que tudo fica estranho e, do nada, os robôs enlouquecem e começam a atacar os humanos. Nosso protagonista, o agente P-3, acaba testemunhando isso quando estava em um pacato passeio de pedalinho, posteriormente sendo encarregado de investigar e dar um fim a esse pandemônio. Equipado com uma luva falante (a IA Char-les) e de um arsenal de respeito, partimos em uma jornada nessa nova URSS, onde assim como em Rapture de Bioshock, teve sua perfeição reduzida a ruínas.
Primeiramente se tratando da temática, é fato que quase tudo que você vai ver aqui foi tirado de outras histórias, então é difícil apontar algo 100% original em Atomic Heart. Eu gostei bastante do mundo que foi construído, principalmente porque é uma espécie de Columbia (a cidade aérea de Bioshock Infinite) misturada com um Wolfenstein reverso, onde o mundo foi dominado pela URSS, ao invés dos nazistas. O visual também está incrível – salvo alguns momentos que são difíceis de ignorar, mas no geral é um jogo bem bonito.
O maior problema está na aplicação de diversos elementos que, em sua maioria, não precisavam estar ali – e o pior: são enfiados goela abaixo do jogador de uma forma totalmente exagerada! Primeiro: Atomic Heart nos traz um mundo semi-aberto, ou seja, você conta com um mapa livre para exploração e, em outros momentos, ficará enfurnado dentro de bases e outros lugares fechados. Eu sinceramente não vi muito sentido nisso, pois acabou que nenhum dos ambientes ficaram legais: os internos são extremamente repetitivos e os externos acabam sendo meio chatos de explorar.
Se fosse algo totalmente mundo aberto como Far Cry ou um jogo linear do começo ao fim, como o próprio Bioshock, acho que as ideias poderiam ser melhor aplicadas de acordo com o estilo. Aqui simplesmente temos coisas demais e diversão de menos, como veremos melhor a seguir.
Quebra-cabeças de matar
Antes de mais nada, vamos deixar claro que o combate de Atomic Heart é bem decente. Não é aquele frenesi todo mostrado nos trailers, o que me deixou meio desapontado, mas ainda é dinâmico o suficiente para ser divertido. O arsenal é satisfatório e ainda contamos com os poderes do Char-les, que são bem semelhantes nos que temos na trilogia Bioshock: eletrocutar, congelar etc. A variedade de inimigos acaba deixando a desejar, sendo em sua maioria variações dos mesmos robôs o jogo inteiro – mas as batalhas contra os chefes conseguem compensar, sendo sempre muito intensas.
Como um jogo de tiro em primeira pessoa ele é satisfatório, mas a falta de equilíbrio no gameplay acaba sendo outro “tiro no pé”. Atomic Heart é repleto de puzzles, o que não é algo ruim e, no começo, até consegue impressionar. A variedade é interessante e eles são inventivos, então as primeiras horas são só alegria. O problema está no excesso, pois não demora para chegar o momento em que você não vai mais aguentar ver um puzzle na sua frente e o jogo continua enfiando eles goela abaixo, sem dó nem piedade.
O exagero de quebra-cabeças acaba sendo um grande problema e você provavelmente vai passar mais tempo tentando destrancar portas do que enfrentando inimigos. Se o gameplay fosse mais equilibrado, provavelmente seria mais tolerável realizar o mesmo puzzle incontáveis vezes, mas aqui não existe isso. Quem não tiver força de vontade provavelmente vai enjoar na metade do jogo e sequer terminá-lo.
Quando finalmente chegamos nos momentos de ação, um outro detalhe pode atrapalhar consideravelmente sua experiência: a munição é escassa. Pois é, um FPS onde você não tem munição para dar e vender. Quem for ruim de tiro como eu provavelmente vai ficar sem balas constantemente e precisará resolver tudo com armas brancas, o que nem sempre é fácil. O melhor é tentar passar pelos conflitos furtivamente (o que permite matar os inimigos com um único hit) ou dar no pé quando possível, sem perder tempo com batalhas.
Se tratando do desempenho, Atomic Heart vem sendo um grande divisor de águas. Enquanto a coisa parece estar bem feia em outras plataformas, no PS5 não tive problemas gritantes. Em ambientes internos ele roda em 60fps constantes e, no mundo aberto, a resolução e o framerate são dinâmicos. No meio do tiroteio é difícil notar as quedas de fps, mas elas estão lá, então é tudo bem inconsistente. O mesmo vale para os gráficos, que apesar de estarem bonitões, em alguns momentos simplesmente viram um show de horrores, como durante as cutscenes em terceira pessoa. Não dá para entender.
Diante de tantos pontos negativos, parece até que esse coração atômico é uma bomba atômica, mas não precisamos ser tão duros. Atomic Heart consegue ser divertido por um tempo e, mesmo não fazendo nada realmente inédito, ainda tem seu charme. Se tivessem organizado melhor as ideias e caprichado mais em certos elementos (sacrificando outros), talvez teríamos um jogo bem diferente em mãos. Infelizmente, optaram por tentar ser mais do que conseguiram ser, mas ainda não é de se jogar fora.