Sendo um dos poucos sobreviventes entre os que não saberiam distinguir Christian Figueiredo de um ex-integrante de boy band nacional, parti a convite da Paris Filmes, Universal Pictures e a Editora Novo Conceito a cobrir a exibição exclusiva para imprensa do filme EU FICO LOKO.
Ignorante ou simplesmente não impactado pelos algoritmos, informei-me sobre o contexto: Christian Figueiredo é um dos maiores youtubers brasileiros em atividade e esse é o filme biográfico baseado em seu primeiro livro.
Munido da informação de que um garoto de apenas 22 anos de existência já havia lançado dois livros auto-biográficos, fiz questão de não assistir a nenhum vídeo do rapaz na mídia que o consagrou. Fiz essa escolha para dar uma chance ao filme: sei que não sou o público pro qual o canal do YouTube é direcionado, e não quis que minha soberba de tiozão cinéfilo me tornasse preconceituoso em relação a um conteúdo direcionado a um público maior.
Respirei fundo e fui, ansioso para ver qual forma um criador independente de conteúdo – que sempre pode falar o que bem entendia – escolheria para traduzir sua história ao cinema.
O Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta em SP, estava em capacidade média para assistir ao filme roteirizado e dirigido por Bruno Garotti. O diretor esteve envolvido na adaptação para o cinema de títulos como “Confissões de Adolescente” bem como outros pequenos títulos nacionais, sempre como diretor de unidades específicas, ou como assistente de direção.
O filme conta a história de Christian Figueiredo desde criancinha. Criado por uma família especialmente peculiar, acompanhamos sua jornada cheia de conflitos amorosos e auto-descobertas adolescentes. No auge de sua inadequação, ele encontra na ferramenta do YouTube a chave para não ficar preso a padrões impostos pelo seu contexto socio-cultural e escapar das expectativas que criamos para nós mesmos quando assistimos a muitos filmes adolescentes americanos. O bom e velho sofrimento do homem branco de classe-média-alta.
Sendo analítico, o filme apresenta – em todos os aspectos – o mínimo que se espera de um título nacional ao final de 2016: Na parte técnica, a execução é aceitável e se assemelha em qualidade a um comercial publicitário. Visualmente, o filme parece uma enorme propaganda do Itaú, amarelada, limpa, sem personalidade. O roteiro é especialmente raso, com piadas óbvias e circunstanciais que não ofendem ninguém nem adicionam à narrativa. Os atores estreantes são super competentes, mas também não são revelações.
Nem tudo é mediocridade na produção. As personagens femininas, mesmo não escapando de estereótipos, são fortes. Nas atuações, a veterana Suely Franco é extraordinária. Ela entrega uma performance memorável no papel da extravagante avó do protagonista, alternando momentos cômicos e emocionais que me fizeram esquecer, mesmo por alguns segundos, que estava ali profissionalmente. Lembrei de Gianfrancesco Guarnieri e outros carismáticos avôs e avós da TV.
A edição é particularmente competente, apesar do recurso de quebra da 4a parede (o verdadeiro Christian Figueiredo é um narrador que às vezes intervém na cena, se direcionando ao espectador) ser injustificável, desnecessário e não funcionar de forma alguma. O nível do trabalho de captação e tratamento de áudio está muito acima do realizado na maioria dos títulos nacionais, ao ponto de raramente uma palavra dita por um ator escapar ao entendimento do público.
As músicas compostas para o filme parecem ter sido retiradas de bancos de trilhas gratuitas. Porém, a trilha sonora licenciada contém músicas de Zeeba, um cantor-compositor brasileiro que faz carreira fora do país, e que aparentemente foi colega de escola de Christian. Essas canções carregam o filme nas costas em alguns momentos sem ritmo, outras vezes ancoram sentimentalmente cenas mal dirigidas e exposições desnecessárias. Vale procurar mais sobre o artista e escutar seu trabalho em outro contexto.
Considerando tudo isso, o filme está na média. E esse é seu maior demérito
Christian Figueiredo cresceu em uma época não tão distante, mas bastante diferente da minha: A internet já não era novidade, Facebook e Youtube já existiam e os meios de produção digital se tornaram pulverizados. Se tornou possível traduzir sua paixão por cinema e música sendo produtor e diretor do seu próprio conteúdo, e compartilhar isso com audiências no mundo inteiro!
Christian começou seu canal por paixão e num sistema de “guerrilha”, ao melhor estilo “The Goldbergs” (quem não conhece a série, vá atrás) fazendo em casa os cenários das suas filmagens, parodiando filmes americanos, tudo com um amor pelo cinema e por ser criativo. A história de Christian não precisaria de embelezamentos ou polimentos porque foi tosca, cheia de erros, inadequada e constrangedora, como foi a adolescência de todos nós! Não é uma história rasa! É muito fácil se relacionar com o cerne de seus problemas e motivações, e admirar a escala do que uma pessoa determinada e apaixonada pode realizar sem sequer sair de dentro do seu quarto.
Dito isso, o que me incomodou mais ao longo da sessão, é que toda escolha que o filme faz parece uma decisão de marketing. Da mensagem de quebra de padrões, de surpreender o público, se despir de rótulos e sair da caixa que Christian tanto prega, quase nada sobreviveu à pasteurização cinematográfica de sua história.
Não há riscos e não há recompensa. Nada parece sincero nem autêntico.
Depois de ouvirmos diversas vezes, de vários personagens diferentes, que Christian é um anjo, o expectador é submetido a um golpe baixíssimo: No último segundo de filme (sem spoilers, prometo) o diretor propositadamente tentar nos atingir emocionalmente de forma covarde, com uma ferramenta barata e calculada, pelo qual diretores americanos foram tão criticados que pararam de fazer há mais de uma década.
EU FICO LOKO é essencialmente um filme brasileiro baseado em filmes teens americanos, baseado na adolescência de um youtuber brasileiro, baseada em filmes teens americanos. Tem cara, cheiro e gosto de ser um produto executado com estudos de adequação a mercado. Não é ruim, não é bom, se esforça ao máximo para não ofender ninguém, para ter algo pra agradar a quase todo tipo de público, e ainda tem uma mensagem positiva como pano de fundo. Cumpre a função de estabelecer a imagem e identidade de Christian, e prepara o público para entender o rapaz como parte de um mundo midiático além-YouTube.
E o maior problema de todos é que ficamos sem saber se essa pasteurização é, ironicamente, o aspecto mais verdadeiro dese filme biográfico. Será que Christian, nascido na era em que “falar sobre si mesmo nas redes sociais se tornou o novo propósito da raça humana na Terra” (citação real do texto do filme) sempre quis ser um produto modelado e adequado ao grande público?
Na coletiva de imprensa que se seguiu, perguntei a Christian se ele não tinha receio de perder a essência de criatividade e paixão que lhe fez começar essa jornada. Se estava disposto a bancar o risco de se adequar à grande máquina da mídia tradicional. Perguntei o que virá a seguir para ele, como ele pretendia se manter fora da caixa agora que entrou de vez na maior delas, e como acha que vai nos surpreender daqui pra frente.
Ele disse que continuará sendo o Christian.
E continuo sem saber ao certo o que isso quer dizer, nem saber se o filme me aproximou ou me distanciou do entendimento dessa resposta.
Mas sempre estou disposto a dar atenção ao que é feito de forma autêntica e com paixão. A avó de Christian sabia tudo sobre isso. Basta ele não se esquecer do que ela ensinou.
O filme EU FICO LOKO tem estréia marcada para Janeiro, em todo território nacional.
Ficha técnica:
ELENCO PRINCIPAL
Christian 15 anos – Filipe Bragança
Christian 10 anos – Cauã Gonçalves
Christian 22 anos – Christian Figueiredo
Gabriela – Giovana Grigio
Alice 15 anos – Isabella Moreira
Alice 22 anos – Giovanna Moreira
Alice 10 anos – Geovana Padalino
Wanderley (pai do Christian) – Marcello Aroldi
Lilian (mãe) – Alessandra Negrini
Tatiana (avó) – Suely Franco
Yan – Jose Victor Pires
Rodrigo – Thomaz Costa
Mauro – Michel Joelsas
DIREÇÃO E ROTEIRO
Bruno Garotti
Sylvio Gonçalves